Page 13 - 2M A INTRUSA
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                  amoras do vizinho; quando entrou trazia o avental manchado e a saia toda
                  descosida. A avó mostrou-me aquilo muito queixosa, mas Gloriazinha mal a deixava
                  falar, tantos eram os beijos que lhe dava!


                         Riram-se ambos, Argemiro e o padre.

                         – A avó tem razão; minha filha já está muito crescida para aqueles modos de
                  rapaz...
                         – É uma criança... deixa-a.
                         – Mas, afinal, de quem é a culpa? dos avós. Se ela morasse comigo seria
                  muito outra.
                         – Não estaria tão bem.
                         – É uma selvagem... esta é que é a verdade; mal sabe ler, rabisca umas
                  letras em péssima caligrafia... e toca sem compasso umas intoleráveis lições do
                  método! Já era tempo de saber muito mais. Não te parece?
                         – Ora! sabe em que tempo se devem plantar os repolhos e podar as roseiras,
                  como se cora roupa e se deitam galinhas. É uma ciência rara hoje em dia e muito
                  útil. Tua sogra pediu-me que lhe ensinasse o catecismo, para a primeira comunhão.
                         – E tu...
                         – Eu disse-lhe que deixasse a menina por enquanto adorar a Deus a seu
                  modo.


                         Quando eu entrei na chácara ela repartia frutas com a criançada pobre da
                  vizinhança.


                         – É brutinha, mas tem bons sentimentos...
                         – É um anjo; o ser selvagem não é culpa sua; mudará com o tempo.
                         – Não basta o tempo; estou convencido de que ela precisa de mais alguma
                  coisa...

                         Pobre criança, terei o direito de sacrificá-la ao egoísmo da avó? Andamos
                  errados conservando-a lá... não acoroçoes a minha negligência; esta é a verdade.
                  Se eu pudesse organizar a minha vida de outro modo... A propósito: veio hoje uma
                  rapariga, pelo anúncio do jornal, oferecer-se para governanta. Só uma! vês tu? E
                  vocês a dizerem que viriam em rebanho! Antes viessem várias, poderíamos
                  escolher. Desta gostei pouco. Pareceu-me acanhada, toda torta.

                         – Corcunda?
                         – Não... não sei. Preciso da tua intervenção. Ela voltará quinta-feira à tarde;
                  conversa tu com ela e decide tudo. Não quero tornar a vê-la, mas desde já te digo
                  que seja como for, direita ou torta, será preferível a coisa nenhuma.
                         – Vais criar uma situação embaraçosa e insustentável. Já não estás em idade
                  de fantasias.
                         – Fala para aí. Que disse tua mãe?
                         – Contra a minha expectativa, aprova a tua resolução...
                         – Por força.
                         – Mas não acredita que se possa viver sob o mesmo teto com uma criatura
                  sem nunca lhe pôr a vista em cima.
                         – Com esta, coitadinha, parece-me que isso há de ser fácil. Confesso-te até
                  que a sua fealdade me desconcertou. Eu desejaria uma governanta bonita, ou pelo

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