Page 15 - 2M A INTRUSA
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Jantaram sem alegria; à sobremesa o criado foi buscar a caixa dos charutos e
Argemiro, levantando o talher de cristofle, mostrou ao padre que o garfo tinha sinais
de fogo na extremidade dos dentes, e que as lâminas das facas começavam a bailar
nos cabos.
E tudo aquilo era novo!
Padre Assunção sorriu:
– Agora reparas em tudo!
Feliciano trouxe os charutos e Argemiro reconheceu que o negro se sortira
abundantemente com os seus havanas. Sempre o mesmo abuso! Olhando com
atenção para o criado, viu que ele ostentava cinicamente uma das suas camisas
bordadas; também não estava certo de lhe haver dado já aquela bonita gravata roxa
de bolinhas pardas. Como o padre Assunção era considerado de casa, Feliciano,
mesmo à vista dele, apresentou ao amo as contas da semana.
– A ode do desperdício!
Era um batalhão de cifras encarreiradas, pelo almaço abaixo, atropelando-se
no seu exagero que as fazia saltar aos olhos de Argemiro. Desde o fornecedor das
frutas finas, até à cerzideira da roupa branca, todos tomavam vulto através da
multiplicação do negro.
– Vês, Assunção? Quase um conto de réis numa quinzena, isto numa casa
própria, onde há adega e que a chácara do sogro enche de perus, ovos, leitões e
hortaliça!
No tempo de Maria passava-se melhor, havia mais gente e gastava-se muito
menos.
– Ainda tens um recurso...
– Qual?
– Uma pensão...
– Deus me livre! A casa de pensão é a vala comum da vida. Repugna-me!
E voltando-se para o negro:
– Olha cá, explica-me: por que, pagando eu tanto dinheiro a uma costureira,
ela deixa buracos como este numa toalha de mesa? Que espécie de costureira é
essa:
O Feliciano fazia-se de parvo quando lhe convinha.
– É uma espécie de velha...
– Ah! uma espécie abominável! Despede-a.
Acabado o jantar, padre Assunção saiu para a sua caminhada até o largo do
Machado, como de costume, e Argemiro foi vestir-se para o espetáculo. Quando, já
encasacado, enfiava o sobretudo, viu o Feliciano estender-lhe um papel,
murmurando com a maior naturalidade:
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