Page 10 - 2M A INTRUSA
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                         Felizmente, o pequeno não a deixou concluir; estava prevenido e gritou logo
                  para dentro, fazendo correr uma porta de vidro que devassou um trecho do interior:


                         – Ó seu Feliciano, venha cá!

                         E voltando-se para a recém-chegada:


                         – A senhora entre.

                         Ela levantou cuidadosamente o seu vestido de lã preta, para que se não
                  molhasse no chão encharcado, e atravessou o vestíbulo em bicos de pés.
                         O rapazinho olhou e viu que ela levava as botinas esfoladas, tortas no
                  calcanhar, e que tinha os tornozelos finos. Mal ela chegava à porta do fundo, quando
                  apareceu um negro muito empertigado, com um arzinho desdenhoso e enfiado num
                  dólman branco de impecável alvura.
                         Ela repetiu a mesma frase e ele fez-lhe um gesto para que o acompanhasse.
                         Seguiram por um corredor até o escritório do Dr. Argemiro, que escrevia à
                  secretária, no meio de um montão de papéis, muito atarefado, já pronto para sair.
                         Feliciano avisou da porta:

                         – Uma pessoa que vem pelo anúncio!


                         O advogado levantou os olhos e viu entrar na sala uma figura meio encolhida,
                  que lhe pareceu ter um ombro mais alto que o outro e cujas feições não viu, porque
                  vinham cobertas com um véu bordado e ficavam contra a claridade.


                         – Tenha a bondade de sentar-se... permita-me mais um momento e prestar-
                  lhe-ei toda a atenção...


                         Ela fez um gesto de assentimento e sentou-se perto da porta. Ele, bem
                  iluminado pela claridade de fora, apressou as últimas notas, fazendo ranger a pena
                  no papel. Chegada a vez de ordenar as folhas esparsas pela secretária e de acamá-
                  las na pasta, para não perder muito tempo, foi dizendo:

                         – Antes de mais nada, como estes anúncios reclamando senhoras para casas
                  de viúvos são ambíguos e prestam-se a interpretações pouco airosas, digo-lhe
                  desde já que preciso, para governanta de minha casa, de uma senhora honesta, a
                  quem eu possa francamente confiar minha filha, que é uma menina de onze anos.
                  Ela mora fora, mas deverá vir passar de vez em quando alguns dias em minha
                  companhia... Sendo essa a condição essencial, não estranhará por certo que lhe
                  peça algumas informações...

                         Argemiro esperou um instante, a ver se ela se decidia a falar sem ser
                  interrogada; mas ela, coitada, encolheu-se na cadeira e ele foi forçado a perguntar:

                         – A senhora é viúva?
                         – ... Não, senhor... sou solteira...
                         – Ah... mas já governou alguma casa, naturalmente?
                         – Sim... senhor...


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