Page 8 - 2M A INTRUSA
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                  estado que abre as portas de par em par a todo o gênero de vício e apaga toda a
                  memória do Céu e da Eternidade".
                         Padre Assunção fechou o volumezinho de Frei Luiz de Sousa, pô-lo na
                  estante e foi sentar-se ao lado de Argemiro.
                         Estava à espera de uma estiada para se ir embora; mas a chuva caía em
                  torrentes fortes e continuadas. Houve um momento mesmo em que a tempestade
                  pareceu recrudescer de fúria. Assunção confessou:

                         – Estou com medo que o temporal desta tarde tenha quebrado a amendoeira
                  do meu quintal...


                         Os jogadores estavam absorvidos; mal o ouviram. Daí a pedaço, já
                  desinteressado do pôquer e prestando atenção à bulha das águas, Argemiro propôs
                  que ficassem todos com ele: a casa tinha quartos para hóspedes. Nenhum aceitou.
                  Caldas confessou que não sabia dormir no Rio senão em cama feita pela sua
                  ménagère e o padre Assunção afirmou que a mãe não se deitaria senão depois de o
                  ver entrar.
                         A partida prolongou-se até as onze horas, em que deixaram os baralhos e
                  Armindo foi afastar as cortinas para olhar para a rua através dos vidros das janelas.

                         – Chove ainda! E deve estar frio lá fora! Parece-me que estou em Curitiba!


                         Padre Assunção, voltando-se para o dono da casa, disse:

                         – Amanhã terei de ir à casa de tua sogra; queres alguma coisa para a nossa
                  Maria?

                         "Nossa Maria" era como o padre chamava a filha de Argemiro, a quem
                  batizara e adorava.

                         – Nada... eu irei vê-la no domingo. Quero ver se para a semana ela vem
                  passar uns dois dias comigo.
                         – Aqui?!
                         – De que te espantas?
                         – Ora essa! Com quem a deixarás, quando tiveres de sair?
                         – Vais-te rir... Botei hoje um anúncio no Jornal, pedindo uma moça para tratar
                  da casa de um viúvo só.
                         – Estás doido! Não caias nessa asneira... Olha que chamas o perigo para
                  casa.
                         – Não posso mais aturar o Feliciano; preciso de alguém que me ajude a
                  suportá-lo. Mas a razão vocês sabem. Quero que minha filha não se crie
                  completamente alheia à sua casa, preciso mesmo da sua companhia, ao menos
                  uma vez por mês.
                         – E confiarás a nossa Maria a qualquer mulher desconhecida?!
                         – Glória não deixará os avós senão por um dia... É uma consolação fugitiva, a
                  que eu procuro. Estou velho...


                         Caldas preveniu:




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