Page 9 - 2M A INTRUSA
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                         – Olha que essas madamas trazem anzóis nas saias... Quando menos
                  pensares... estás fisgado... E tu que és bom peixe! É uma raça abominável, a das
                  governantas... Verás amanhã que afluência de francesas velhas à tua porta! Feia ou
                  bonita, a mulher é sempre perigosa. Eu deixar-me-ia ficar sossegadinho nos braços
                  do Feliciano!
                         – Que lembrança, pôr anúncio! – repetia o padre. – Ainda se não tivesses tua
                  filha...
                         – Preciso de uma mulher em casa, que não seja boçal como uma criada, mas
                  que não tenha pretensões a outra coisa. Saberei indicar-lhe o seu lugar. Nem quero
                  vê-la, mas sentir-lhe apenas a influência na casa. É a minha primeira condição.
                         – Acho-a acertada! Como já disse, só vêm para esse ofício mulheres
                  aposentadas, pela força da idade, de outros serviços! Feias, mas habilidosas... No
                  fim de algum tempo tu cairás doente, ela será uma enfermeira carinhosa e a
                  comédia acabará quase sem se sentir. É o costume. O Assunção reprova-te. Eu
                  aviso-te.
                         – Consultaste ao menos tua sogra? – perguntou o padre.
                         – Não. Ela, com receio de que eu lhe reclame a neta, negou-se sempre a
                  coadjuvar-me nesse sentido.
                         – Não tires de lá a nossa Glória. Está muito selvagem, mas está muito bem.
                  Realmente, essas senhoras vindas por anúncio para tratarem da casa de um viúvo
                  só devem trazer intenções muito esquisitas. Será preferível uma velha.
                         – Não! As velhas cheiram a galinha, desde que não sejam de fina sociedade.
                  Uma, que meti por experiência em casa, encheu-me o jardim de patos e de perus,
                  que ciscavam na grama. Quero uma mulher que tenha boa vista, bom olfato e bom
                  gosto. São as qualidades que eu exijo, por essenciais, numa dona de casa. Quero
                  uma moça educada.

                         Armindo Teles, enfiando o sobretudo, de que levantou a gola até as orelhas,
                  ofereceu-se para vir esperá-la no dia seguinte...
                         Adolfo Caldas calçou as galochas, augurando que a moça educada teria mais
                  de quarenta anos e não se resignaria a não conhecer  monsieur... E concluiu: – Cá
                  estou para espectador da cena. Vamos rir.
                         Só o padre Assunção não enfiou sobretudo nem calçou galochas, limitando-
                  se a tirar do cabide o seu grande guarda-chuva inglês. Ele ali estava para defender a
                  afilhada de um mau contato... previa desastres que procuraria obstar. Ora, como
                  pudera Argemiro cair naquele ridículo?
                         Saíram os três, calados, para a chuva; e o Feliciano, alagando os sapatos nos
                  ladrilhos do vestíbulo, desejou a todos – muito boas-noites – e fechou a porta.




                  Capítulo II

                         Era meio-dia quando um bonde das Águas Férreas parou à entrada do
                  Cosme Velho e uma moça desceu para a rua, com ar vexado. O bonde continuou o
                  seu caminho; ela consultou uma notazinha da carteira e entrou num prédio cor de
                  milho, ladeado por um jardim em meio abandono.
                         Um rapazinho lavava o vestíbulo; a moça olhou para ele ainda embaraçada e
                  perguntou:


                         – O dono da casa...?
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