Page 122 - 2M A INTRUSA
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seu fanatismo. A sua religião! O amor de mãe desvaira-a... Que sofrimento! A mim,
já me quer mal por eu defender o Argemiro, quando alude à probabilidade de outros
amores! Veja só...
Assunção não respondeu; olhava maquinalmente para o jardim bem relvado,
fresco das regas e iluminado pelo fulgor dos ibiscos vermelhos e os cachos roxos
das viuvinhas. Aqui e ali, roseiras de qualidade vergavam as hastes moles ao peso
de grandes rosas perfumadas. Embaixo da janela, num heliotropo florido, palpitavam
borboletinhas brancas...
O barão interrogou o padre sobre o último fato político. Assunção respondeu
apenas. Mal entendia disso, apesar dos esforços da mãe com o sentido de o
interessar pela vida... A ambição pessoal dos homens fazia-lhe mal aos nervos...
Feliciano passou assobiando pela porta do quarto de Alice. Fora um desafogo à
alegria que lhe alvoroçava a alma; mas conteve-se antes de entrar na sala, onde o
esperava um olhar de censura do padre.
Pouco lhe importou. Alma de negro não é alma de cão. Senão, veriam daí por
diante quem mandaria ali!
Quando Argemiro desceu para o almoço, foi avisado de que a sogra o
esperava na sala de visitas. A conversa precisava discrição, – imaginou logo do que
se tratava. Ia ser bonita, a história! Onde se teria metido a Alice? Vinha-lhe agora
uma curiosidade doida de a ver!
Na sala encontrou os sogros e Assunção, com um ar de solenidade que o
desorientou.
A baronesa derramava pelo sofá as dobras de sua saia, em frente ao retrato
da filha, suspenso sobre um guéridon, entre dois grandes jarrões cheios de rosas
brancas. "Só faltam as velas!..." – pensou consigo Argemiro, dando com a vista
naquela espécie de oratório.
A sogra, emagrecida e pálida, chamou-o para seu lado, e antes mesmo de
qualquer cumprimento, foi-lhe dizendo:
– Meu filho, de acordo com a última vontade daquela que está ali, despedi
ontem a sua governanta. Sei que lhe dou um desgosto com isto e lamento-o; mas a
minha consciência impunha-me este ato de salvação para a sua alma e de paz para
o espírito amoroso da nossa pobre Maria!
– Eu não compreendo... mamãe!
– Argemiro! a minha convivência nesta casa com essa mulher provou-me que
as minhas suspeitas tinham fundamento. Ela ama-o.
Argemiro não conteve um movimento de surpresa:
– É impossível!
– Antes eu tinha a intuição disso; tive depois as provas, toda a certeza.
Encontrei-a muitas vezes aqui, olhando para o seu retrato; vejo a ternura com que
ela aperta nos braços sua filha, o desvelo exagerado com que trata tudo que diz
respeito à sua pessoa e como enrubesce ao pronunciar o seu nome. Afirmo-lhe que
o ama. Eu nunca me enganei. Certa desta verdade, deliberei despedi-la antes da
sua chegada, do que não me arrependo, porque era tempo de acabar a comédia,
que não podia ser presenciada por minha neta.
– Minha senhora!
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