Page 118 - 2M A INTRUSA
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Quem poderia crer, porém, que fosse tão bom? Parece-me agora que a minha mão,
ao escrever aquele pedido de governanta, num anúncio, puxou o fio do destino
desta mulher... Lembras-te? Não apareceu mais ninguém! Dar-se-á o caso de só ela
o ter lido?
– Não. Eu também o li... o Caldas... tua sogra...
– Já me tardavam as caçoadas. Não tens o direito de rir de um aflito. Estou
até com medo de parecer grosseiro e tratar mal os velhos!
– Eles nem terão culpa... sim, é possível que a D. Alice já estivesse resolvida
a isto mesmo. Quem nos dirá? Não fez um pacto para toda a vida...
Argemiro calou-se, olhando atônito para o amigo. Quem sabe?
E depois:
– É pena que não me possas dar informações completas... Ela... nunca te fez
confidências... não terá intenções?...
– De quê?
– Casar, por exemplo! Que diabo!
– Deve ter. É moça... Não sei. Minha mãe gostou dela...
– Ah! D. Sofia viu-a?
– Levou a Glória a visitar-nos uma tarde, e enquanto eu mostrava as flores e
a vista à tua filha, ela entreteve-se com minha mãe.
– E D. Sofia então disse-te?...
– Que aquela moça faria a felicidade do homem com quem se casasse.
Sabes a mania casamenteira de minha mãe. Ela julga, como foi feliz, que a única
felicidade perfeita na terra é a da família... Quantas vezes a surpreendo com os
olhos nublados sobre a minha batina de celibatário! Então, para vê-la sorrir sabes o
que eu faço? Carrego ao colo os seus petizes, que estão lindos e nédios como
leitõezinhos. E a verdade é que já os amo também, a ambos. O Jorge adormece à
noite nos meus braços; enquanto minha mãe cose, embalo-o na cadeira de balanço,
até vê-lo pegadinho no sono. Ao princípio eu fazia isso para dar satisfação à minha
mãe; mas hoje já o faço por gosto próprio. É bonito o sono de uma criança... E o
brutinho não adormece sem que eu lhe cante a
"Senhora Sant’Ana
Passou por aqui..."
Minha mãe conseguiu atar-me a outros seres de mais longo futuro... não
morrerá nela o meu interesse pela vida! Chegamos à tua porta. Lá está tua filha no
jardim.
Depois de beijar Glória e apertar a mão fina e mole do sogro, que desceu ao
vestíbulo a recebê-lo, Argemiro subiu ao seu quarto. A baronesa descansava ainda:
não a vira nem de passagem.
Argemiro subiu a escada do quarto, com as narinas dilatadas, farejando o
aroma sutil e inconfundível da sua casa. Na saleta, um ramo de La France e de
resedá representou-lhe ao espírito a figura desconhecida de Alice, que ele sentia,
enfim, naquela ordem e naquele cheiro que lhe alegravam o lar.
O Feliciano fora ao carro buscar a mala, e não merecera resposta ao
cumprimento que fizera ao patrão. "O homem vem zangado..." – pensou ele consigo.
"Que dirá quando souber!"
Pela primeira vez, Argemiro procurou, através das venezianas do seu quarto,
ver se descortinava o vulto ao menos da sua governanta. Chegava-lhe a curiosidade
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