Page 117 - 2M A INTRUSA
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– Tentemos...
– Como se teria dado o rompimento?
– Não sei. A carta de teu sogro é lacônica e sucinta. Deveria mostrar-ta, mas
esqueci-a em casa.
– Naturalmente, minha sogra espicaçou-a de tal forma, que a pobre perdeu a
paciência e despediu-se. Guerras de mulher. Conheces nada mais indigno? Picadas
de alfinetes embebidos em veneno... Eu sei! Estou agora arrependido de ter vindo
de carro... O bonde daria mais tempo e conversaríamos melhor. Foi uma cacetada!
Conheces nada mais importuno que a velhice? Até cheira mal! E que vai ser de
Glória?... Pensará a avó que lhe entrego a neta? pois sim! É minha, de casa não me
torna a sair. Afinal, a prejudicada será ela... coitada! Mas com que direito cometeram
meus sogros semelhante vilania? Tu não explicas nada!
– Filho, já disse o que tinha a dizer-te! Daqui a pouco estaremos nas
Laranjeiras; será então tempo de averiguar o caso. Lembro-te que a baronesa anda
adoentada... que é muito sensível, e que toda a sua antipatia por D. Alice se funda
no ciúme...
– Tolices!
– Tolices ou não. Supõe que traístes o que prometeste a Maria...
– E que traísse! não era razão!...
– São modos de pensar... Tua sogra arvorou-se em sentinela do teu coração,
já o disseste. Ela não quer lá dentro senão a imagem da filha.
– E não existe outra. Está farta de saber que eu não conheço esta mulher. Já
enfada dizer e ouvir isto: nunca a vi! Nunca!
– Mas gostas de senti-la... há pouco o disseste. Avisei-te do perigo, procurei
afastar-te... conheço a tua imaginação; mas fui tão fraco que não consegui o que
deveria ter conseguido... Não faz mal.
– Em vez de imaginação dize: egoísmo. Aterra-me a idéia de voltar à
desordem antiga... aos roubos do negro... à negligência da casa, ao desperdício da
despensa. Era um inferno. É só isso que me incomoda... mais o abandono de minha
filha... Não terei remédio senão pô-la num colégio... Eu não tenho tempo de me
ocupar de tantas coisas e já tenho abusado muito da tua amizade. Estou
atarantado... Vê se me salvas! Só tu!
– Antes de mais nada, logo que chegarmos sobe ao teu quarto, com o
pretexto do descanso, banho e mudança de roupa. Entretanto eu irei falar a D. Alice.
Ela me dirá a verdade... Prepararei o terreno.
– Contas com a sua sinceridade?
– Absolutamente. É uma mulher simples.
– Mais uma virtude... E depois? É natural que meus sogros desejem falar
primeiro...
Enfim, o que for soará! Péssima recepção!... Maldita a hora em que saí de
casa!
– Estás trágico! Mal imaginavas que um anúncio do Jornal do Comércio te
trouxesse tantas complicações! O que nós rimos da tua lembrança, naquela noite em
que nos declaraste a tua resolução. Tudo podíamos prever, menos isto!
– Ainda vocês negam a força oculta que obriga o indivíduo a executar, às
vezes, as mais extravagantes resoluções! Quando eu me lembro do ridículo que
vocês me atiraram à cara por causa daquele anúncio! Eu mesmo o escrevi sem
esperança, numa hora de raiva contra o Feliciano. Tudo se me afigurava melhor.
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