Page 123 - 2M A INTRUSA
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                         – Ah! já não diz minha mãe!... Era ainda... Enfim! peço-lhe desculpa se o
                  ofendi.
                         – Falemos com calma. Não sei em que língua hei de dizer, para fazer-me
                  entendido: que nem sequer sei a cor dos olhos dessa senhora, cujas feições ignoro
                  e cuja voz mal tenho ouvido à distância! É bonita ou feia? Que me importa! Nunca a
                  vi. Não quero vê-la. Para mim ela não é uma mulher, é uma alma apenas, que me
                  enche a casa de perfumes, de conforto, de doçura, como nunca tive em minha vida.
                         – Nem no tempo de Maria?! Era o que faltava ouvir!
                         – Mas não falemos do passado, pelo amor de Deus!
                         – Como não, se a ele está você preso por um juramento?! Nega ter jurado à
                  minha filha, na hora da morte, fidelidade eterna?!
                         – Não deixei ainda de cumprir tal promessa; mas não teria escrúpulo em fazê-
                  lo se as condições da minha vida o exigissem. Esse juramento foi sincero, mas
                  mesmo sem sinceridade eu o faria naquele transe, para adoçar o pensamento de
                  minha mulher...
                         – Quer você dizer com isso que romperá tal juramento...?!
                         – Sem escrúpulo, já disse.
                         – A religião proíbe-o que o faça!
                         – Eu não sou religioso.
                         – Ah! vêem? ele também a ama! Minha pobre filha! Minha pobre filha!


                         A baronesa estava trêmula, ameaçadora. Crescera de estatura, passavam-lhe
                  pelos olhos fulgores de mocidade e de ódio.

                         – Se a religião não lhe impõe o cumprimento do dever, apelo ao menos para a
                  sua honra. Não a terá também?!
                         – A minha honra obriga-me antes a defender essa pobre moça caluniada, do
                  que a manter um voto que já produziu o seu efeito e de que nesta hora me liberto.


                         A baronesa recuara espavorida, com olhos de assombro. O marido sumia-se,
                  encolhendo-se todo para dentro de si mesmo. A velha voltou-se aflita para
                  Assunção, como a pedir socorro. Seria possível que ele, padre, testemunha de tudo,
                  não viesse em seu auxílio?!
                         Ele compreendeu-a e encheu-se de dó, ao mesmo tempo que dizia:

                         – Argemiro tem razão; a sua honra obriga-o a defender essa moça, muito
                  mais digna de consideração que de desconfiança. Foi ainda por paixões terrenas
                  que sua filha exigiu do marido essa promessa. Desprendida do mundo, a sua alma
                  tornou-se toda tolerância e doçura, e seria ofendê-la imaginar que os sacrifícios
                  daqueles a quem amou lhe sejam caros...
                         – Sacrifícios!
                         – Ao contrário; no céu, só será completo o seu gozo se na terra vir felizes
                  aqueles que a choraram. Creia, minha amiga, a pessoa que a senhora condena com
                  tamanha injustiça é de uma perfeição moral difícil de atingir. Eu respondo por ela
                  como se fora minha irmã.
                         – Detesto-a!
                         – Há de estimá-la um dia.
                         – Nunca!
                         – Bastará que eu lhe conte isto:


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