Page 126 - 2M A INTRUSA
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                         Alice sentou-se, com aflita curiosidade, e levantando o véu baixou os olhos
                  para o caderno, recomeçando a somar parcelas indicadas. Entretanto, ele
                  contemplava-a pela primeira vez. Era mais bonita do que pensava; tinha a pele
                  suave, os olhos pestanudos e o cabelo escuro e abundante...
                         A mão esguia, branca, movia-se sobre o papel num leve tremor nervoso.
                         Argemiro pensava:
                         "Fui um estúpido; eu deveria ter apressado este instante. Ela é deliciosa!" E
                  aspirava num deleite o aroma que vinha dela, aquele cheiro de cidrilha, de malva, ou
                  flor de fruta e que constituía já uma das suas necessidades.
                         Alice corava intensamente. Não atinava com o erro!


                         – Não acho... – confessou por fim.
                         – Entretanto, ele não é pequeno...


                         Alice levantou com espanto os olhos para Argemiro; ele fixou-os com ternura.
                  Estremeceram ambos.
                         Ela tornou a baixar a vista para o caderno. Letras e cifras dançavam
                  estonteadoramente. Argemiro percebeu-lhe a comoção. Bem dissera a sogra! E com
                  alegria:

                         – Quer que lhe aponte o engano?
                         – Se faz favor...
                         – Está aqui!

                         Argemiro apontou para a verba que representava o ordenado da moça,
                  apressando-se em continuar:

                         – A senhora reduziu esta quantia...
                         – Foi o que nós combinamos!...
                         – Combinamos o dobro.
                         – Afirmo-lhe que não.
                         – Devo-lhe muito...
                         – Não me deve nada.
                         – Tê-la-ei ofendido?
                         – Não...


                         Estava ele outra vez encalhado. Nem para trás nem para diante, sem saber
                  que dizer, todo olhos para o rosto, que já desaparecia sob o véuzinho bordado.


                         – D. Alice!

                         A moça respondeu com um olhar tímido.
                         Ele calou-se. Parecia-lhe impossível aquela estupidez!

                         – Então a senhora vai-se mesmo embora...
                         – É preciso.
                         – Se Glória lhe pedisse para ficar... Ela é tão sua amiga...
                         – Nem assim...

                         Argemiro levantou-se e disse com voz grave e resoluta:

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