Page 116 - 2M A INTRUSA
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por sinal com uma letra bem bonita... Era um livro inglês de poesias. A minha
governanta lê versos; e de mais a mais em inglês! Folheei o livro com alguma
curiosidade... Havia versos sublinhados, notas feitas à margem... Sabes que do meu
exame de inglês não me ficou patavina... o livro não me poderia divertir; entretanto,
não sei porque, era o único que me interessava! Comprei um dicionário e pude mais
ou menos penetrar um pouco no mistério... Compreendes que isso não poderia
deixar de impressionar-me...
– Ela é inteligente...
– Muito. Para ter a certeza disso eu não precisava das poesias inglesas;
bastava-me a mudança radical de minha filha. Negarás isso?!
– Não...
– Lembras-te? Glória era terrível, intratável, brutinha! E agora? Está dócil,
risonha, delicada. A avó perdia-a com os seus mimos e a D. Alice salvou-a. Tens
reparado na boa pronúncia francesa de minha filha? Na véspera da minha partida
ela leu-me uns exercícios do Método. Fiquei espantado. Um prodígio!... Logo, esta
mulher, que ensina francês, lê versos ingleses, faz aquarelas razoáveis e interpreta
ao piano trechos clássicos, como já eu ouvi, sem que ela o percebesse... é uma
rapariga de fina educação e que não me resigno a perder por caprichos de terceiros!
As minhas flores! Porventura tive eu nunca, nem mesmo no tempo de Maria, rosas
como tenho agora?! É ou não é verdade que o meu jardim é um dos mais belos do
bairro?!
– É...
– E quem o transformou? Ela. Ainda agora, lendo o livro do Shelley, sentindo-
lhe o perfume peculiar e que em poucos dias ela espalhou por toda a minha casa,
capacitei-me de que a alma dessa mulher é rara e voltada para tudo que torna a vida
agradável. Ainda não lhe descobri defeitos...
– Há de tê-los.
– É humana... e portanto, queres dizer que se fosse perfeita seria defeituosa...
Talvez seja feia... Sabia-me agora bem o imaginá-la.
– Ocupavas-te nisso?
– Às vezes; é natural: quando eu pegava no livro e sobretudo quando sentia o
seu aroma... Qualquer outro faria o mesmo... não te parece?
– Talvez...
– Sou-lhe muito grato. Asseguro-te que nunca me vi tão lisonjeado, tão
contente da vida, como agora nestes últimos tempos. Era uma atmosfera amorosa a
da minha casa.
– Não há bem que sempre dure...
– Ora que notícia! E eu que vinha morto por senti-la!
Assunção sorriu.
– De que te ris?!
– Da tua expressão.
– É sincera.
– Sei. Mas não desesperes... Realmente, a tua governanta governou demais;
mas estou de acordo em que deves procurar guardá-la junto de tua filha; e talvez
isso não seja tão difícil como te parece!
– É impossível.
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