Page 115 - 2M A INTRUSA
P. 115

www.nead.unama.br




                  animais! De que te ris?! estou morto por beijar minha filha! Muito crescida? Tens ido
                  lá todos os dias? Tens estado sempre com todos?...
                         – Todos os dias, não... mas quando vou estou com todos...
                         – Minha sogra ainda se demorará cá por baixo?... Isso é o que me interessa
                  mais saber.
                         – Ignoro... Eu tenho freqüentado menos a tua casa, receando que os barões
                  achassem importuna a minha assiduidade...
                         – Estás doido! Sabes que te estimam muito! Bem... e... não houve por lá
                  nenhuma questão...
                         – Tem paciência, escuta.
                         – Mau!
                         – Ontem à noite recebi uma carta de teu sogro, pedindo-me para vir esperar-
                  te hoje à Central e prevenir-te de que a D. Alice só espera por ti para deixar a casa.


                         Argemiro não respondeu logo, e, arregalando os olhos, voltou-se para o
                  amigo, muito desapontado.


                         – A notícia não é amável e acredita, Argemiro, que a dou com pena. Mas já
                  agora deixa-me dizer-te que mais uma vez andaste impensadamente... Não deverias
                  ter saído de casa nesta ocasião, tanto mais que já temias qualquer incidente
                  desagradável...
                         – Não consinto! Ah, eu é que não consinto; e o dono da casa sou eu! Por que
                  sai a D. Alice? Não sabes?... Eu imagino: picuinhas... alfinetadas... tanto a
                  aborreceram, tanto a azedaram, tanto a mordiscaram, que ela não pôde mais! Era o
                  que eu temia, lá longe! Parece que estava adivinhando. Um inferno. Ora o que me
                  esperava! E agora? Dize-me: e agora?!
                         – Arranja-se outra...
                         – Estás tolo! Outra! A facilidade com que se dizem asneiras... Nem tu pensas
                  no que estás dizendo. Conheço-te bem; sei qual é a tua opinião a respeito dela... Eu
                  é que fui um asno, um idiota; não devia ter consentido na vinda de minha sogra para
                  casa. Foi ela que escangalhou a minha felicidade com as suas bobagens de velha
                  tonta. Disseste bem, fiz mal em fugir. Fugi por pusilanimidade... pelo eterno prazer
                  do sossego e do bem-estar. Fresco bem-estar, o dos hotéis! E agora, hein?! arranja-
                  se outra! ora, que resposta! Se há outra como aquela!
                         – Tu nem a conheces...
                         – Nunca a vi, mas conheço-a, adivinhei-a; abstraí da personalidade. Ela é o
                  meu conforto; a minha segurança, a minha felicidade. Agora explica-me tudo: que
                  lhe fizeram?
                         – Não sei, filho; mas creio que nada. Teu sogro, temendo a tua decepção,
                  como se se tratasse de uma terrível catástrofe, escreveu-me ontem o que eu já te
                  disse. A minha surpresa foi quase do tamanho da tua.Somente, eu espero conciliar
                  as coisas.
                         – Ah, eu não... Acabou-se. Volto à ignomínia do Feliciano. Não. O Feliciano
                  roda hoje mesmo a pontapés. Cachorro... Outra... outra... onde encontrá-la? Pensas
                  que há muitas mulheres assim, por aí, à espera das minhas ordens? Tu estás bem
                  convencido do contrário... Eu sei que a consideras muito... Já a tens defendido, à
                  minha vista, quando a acusam. Por mim, declaro-te que acabei de conhecê-la nesta
                  ausência... Por acaso, no dia da partida, juntei alguns livros avulsos pelas mesas e
                  meti-os na mala. Em uma das minhas noites de insônia, no hotel, abri um desses
                  livros, e verifiquei com espanto que ele pertencia a D. Alice. Lá estava o seu nome,

                                                                                                         114
   110   111   112   113   114   115   116   117   118   119   120