Page 113 - 2M A INTRUSA
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                         A voz da baronesa perseguia-a. Sentia nos ombros o peso das suas mãos
                  irritadas. Quem lhe diria... A loucura?! Seria a loucura?! Deveria chorar pela avó,
                  pela sua razão perdida, ou salvar a moça, que ficara sozinha em sua frente? Mas
                  salvar como, se ela tinha medo? Glória atirou-se chorando para o jardim, na ânsia da
                  liberdade e do silêncio. O avô, ao vê-la, compreendeu tudo e correu a ampará-la.

                         – Que tens, meu amor?!

                         Animada pela presença do velho, a menina agarrou-o com força.


                         – Venha, vovô... corra... vovó é injusta... é má... está dizendo coisas terríveis
                  à D. Alice... não sei o que é... Vovó me bateu! pelo amor de Deus... ande depressa!

                         O avô resistia; mas, ao ouvir-lhe as palavras – "vovó me bateu" – endireitou-
                  se num espanto e olhou de perto para os olhos da neta.
                         Não! ela não mentia. Os alegres olhos da sua Maria da Glória estavam cheios
                  de lágrimas, em que boiavam uma grande decepção e uma terrível dor.


                         – Ah, se papai estivesse aqui!

                         O barão apressou-se, agarrado à neta; mas ao aproximar-se do quarto
                  estacou. Não devia entrar. Em vão a neta o impelia, suplicando-lhe que interviesse.
                         Ele sabia. A mulher não cederia por nada desta vida. O mal estava feito; para
                  que recomeçá-lo?
                         Não conseguindo abalar o avô, Glória avançava sozinha para o quarto,
                  afrontando tudo, quando a baronesa saiu, hirta, com os lábios afinados e pálidos, os
                  olhos circulados de roxo. A menina recuou espantada. Nunca a avó lhe parecera tão
                  alta.


                         – Que estás fazendo aqui? Eu não te disse que não tornasses a pôr os pés
                  neste quarto?! – rugiu ela ao topar com a menina.
                         – Vovó...


                         Mas a avó não quis ouvi-la, e agarrando-a por um braço foi-a levando, numa
                  fúria.
                         O marido, metido num vão de janela, não a interrompeu, temendo exacerbá-la
                  com as suas ponderações. Passado o ofego do desabafo, ela se explicaria.
                         Apiedava-se de um rumorzinho de choro que lhe parecia perceber agora no
                  quarto de D. Alice. "As mulheres são terríveis," – pensava ele – "devoram-se umas
                  às outras, como animais de espécie diferente... Até a minha, que foi sempre incapaz
                  de torcer o pescoço a uma galinha, dá-se agora, depois de velha, ao prazer de
                  torturar uma criatura sua semelhante... E, afinal, coitada, quem sofre mais é ela...
                  que não encontra remédio para a sua doença... E ora aqui chegamos ao desfecho
                  que ela tanto ambicionava e eu tanto temia... E agora? Que se teria dito?..."
                         E nunca a sua chácara cheirosa, os verdes campos macios, cortados de
                  mangueiras e águas remansosas, lhe fizera tão fundas saudades. As suas flores do
                  horto, preparadas para a destilaria, estariam morrendo nos pés e o seu catálogo
                  interrompido, amarelecendo no fundo inerte de uma gaveta. Olhando para as flores
                  do genro, ele via as outras, as suas: o absinto, as marcelas medicinais, o sabugueiro


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