Page 111 - 2M A INTRUSA
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                         Feliciano voltou a bater, maciamente, sem impaciência.

                         – D. Glória?
                         – Já vou! Diga a vovó que espere só um bocadinho...

                         Era demais! Aquilo precisava ter um fim. Até a neta lhe desobedecia! Sim,
                  senhores! A obra da outra estava completa! A não ser o negro, todos conspiravam
                  contra ela. Até o marido... até a filha da sua filha!
                         Pela porta aberta da saleta ela via na parede fronteira o retrato da filha, muito
                  desbotado, esvaindo-se, cercado por uma moldura de ébano.
                         "Enquanto eu viver, meu amor, será lembrada a tua última vontade... não me
                  esqueci; eu vivo só para a tua memória!..." – pensou ela. E depois, por entre dentes:

                         – Parece que ela está fazendo de propósito... mas comigo não se brinca!

                         Feliciano rondava a cena, disfarçadamente, polindo com um trapo de camurça
                  os trastes já polidos. Fora por manha que entreabrira a porta da sala, quase sempre
                  fechada, bem em frente ao retrato da morta e, sem parecer olhar, ele vigiava todos
                  os movimentos da baronesa. Ela tremia de raiva por não ver chegar a menina.

                         – Ora já se viu uma coisa assim! Querem maior provocação! – e, apontando
                  para o relógio: – Há mais de cinco minutos! Isto não pode continuar... Está bonito!

                         E imperativamente, furiosamente:


                         – Feliciano?!
                         – Senhora?

                         Apesar da sua máscara de seriedade, percebia-se que o negro estava por
                  dentro contentíssimo.

                         – Diga a D. Glória, uma vez por todas, que venha já ou que eu vou buscá-la
                  pelas orelhas!

                         Feliciano quis prolongar aquele desespero e arrastou os movimentos,
                  calculando o tempo para maior acumulação de ódio; mas a baronesa, impaciente,
                  passou-lhe a dianteira e caminhou pelo corredor para o quarto da governanta.
                         "É agora!" – pensou o negro, encostando-se a um umbral, para ver.
                         Glória, já de pé, punha em ordem a sua pasta de desenhos, e Alice cosia
                  perto da janela, quando a baronesa, empurrando com força a porta do quarto,
                  apenas encostada, entrou, lívida de raiva, no aposento.

                         – Vovó!

                         Alice levantou-se, perplexa.


                         – Já, lá para dentro! não ouviu? Há que tempos a mandei chamar e a senhora
                  é assim que obedece às minhas ordens?! Quem manda aqui? Sou eu, ou é aquela
                  mulher? Diga!
                         – Vovó... eu...

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