Page 109 - 2M A INTRUSA
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                         – Voltaremos... deixa estar... eu também já não posso mais... A minha vida é
                  um inferno... Todos esquecem, todos gozam, só eu vivo acorrentada ao passado, e
                  revendo a todos os instantes a cena horrível da morte de Maria! Está aqui tudo,
                  tudo, estampado em meus olhos, enterrado no meu peito. A minha vida parou
                  naquela hora! Não vejo, não ouço, não sei de mais nada. Os anos e os meses têm
                  corrido para mim ignorados. A minha existência é a existência da minha filha. O
                  coração dela ficou dentro do meu. É o que eu sinto! Hei de defendê-lo até o último
                  extremo! Às vezes, também eu acredito na loucura... Ao princípio, enquanto Glória
                  era só minha, sentia até certa suavidade em conviver assim com a minha morta...
                  Nota que já não digo: a nossa! Mas agora, agora que a inimiga, a intrusa, me rouba
                  também o amor da minha neta, sinto dentro de mim um clamor de choro que não
                  posso sufocar, por mais que me esforce! Sou uma abandonada.
                         – Glória adora-te como sempre...
                         – Foge-me... esquiva-se... acha a minha companhia monótona... A outra
                  conta-lhe histórias, mostra-lhe gravuras, saracoteia-se com ela pelas ruas, até já a
                  surpreendi pulando na corda com a menina, como se fossem duas colegas da
                  mesma idade! As crianças gostam de alegria. É natural que a minha Glória a prefira
                  a mim! Tenho ciúmes dela, sim, tenho muitos ciúmes... E ainda queres que a poupe
                  e que me deixe roubar sem um protesto. Nunca!
                         – Consulta um médico... a tua excitação é doentia...
                         – Já me tardava! Um médico, e água de flor de laranjeira! A outra também te
                  conquistou a ti. Se te mandar dançar sobre a sepultura de Maria... tu dançarás?
                         – Talvez!
                         – Ainda o confessas!
                         – Mas, filha, que queres que eu faça?! Tenho pena de ti, mas não te posso
                  dar razão. Quiseste vir, vim. Consome-me o sacrifício. Faze o que entenderes,
                  contanto que voltemos depressa para a chácara. Consente, porém, que eu lamente
                  a outra, como tu lhe chamas, e que a ache digna de maiores considerações. Agora
                  deixa-me prevenir-te de que o Argemiro se cansou do desterro e volta amanhã.
                         – Escreveu-te?
                         – Telegrafou a D. Alice, pedindo-lhe que mandasse o Feliciano esperá-lo à
                  Central.
                         – Ora vê tu! Telegrafou à outra, em vez de o fazer a ti, como era natural.
                  Queres mais claro?!
                         – Eu sou hóspede. É ela quem põe e dispõe aqui.
                         – É a dona da casa!
                         – Tal qual.
                         – E achas isso tolerável?
                         – Perfeitamente. É paga para isso.
                         – Ele deve chegar?...
                         – Amanhã, às oito da manhã!...
                         – São?...
                         – Três horas da tarde.
                         – Tão pouco tempo!
                         – Achas pouco?! Repara que há um mês e dois dias que ele partiu; e para
                  quem conhece os hábitos do Argemiro, faz espantar tamanha demora...
                         – Fugiu de nós...
                         – Já pensei nisso...
                         – E eu que o amava como filho!
                         – E ainda lhe queres muito bem.

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