Page 108 - 2M A INTRUSA
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                         Padre Assunção estava de pé, e unida à sua murcha batina preta, Glória
                  esticava o pescoço para ver bem o mar.
                         A Pedrosa trocou um olhar com a filha e voltou as costas ao padre. Sinhá
                  demorou-se um pouco a contemplar com simpatia o perfil incorreto de Glória e o seu
                  vestidinho de fustão branco sem laços. Depois, voltou-se para a baía: calara-se a
                  música, e as baleeiras cortavam a água céleres, vigiadas pelas barcas e por
                  escaleres admiravelmente tripulados.
                         "A mãe não se esqueceu... Mas a filha é já indiferente ao Argemiro... Amores
                  novos..."
                         E já as lanchas guinchavam atordoadoramente, quando Adolfo meteu os
                  ombros por entre a multidão.


                  Capítulo XVIII

                          A pouco e pouco, autorizada pela ausência do genro, a baronesa tomara
                  posse da casa.
                         O marido intervinha às vezes, aconselhando que deixasse à outra todas as
                  determinações, ao que ela respondia – se valera a pena ter saído da chácara para
                  se pôr à tutela da inimiga!

                         – Não, meu velho, tem paciência, eu estou de sentinela à última vontade de
                  minha filha. Ele jurou: terá de cumprir o juramento. Esta mulher é mais perigosa do
                  que eu pensei, porque é também hipócrita e sabe conquistar pelo jeito toda a gente.
                  Menos a mim! Glória pertence-lhe. Já me tem feito chorar, a filha da minha filha, por
                  quem tanto me desvelei sempre! Até parece que já lhe vou perdendo o amor... Não
                  percebes o cálculo?
                         – Não percebo nada. A rapariga trata como pode de ganhar a sua vida. O que
                  tu fazes, filha, não é digno de ti. Inventaste uma paixão, onde talvez não exista nem
                  simpatia, e vives a debater-te diante de fantasmas. A moça é fina; não é do estofo
                  comum das governantas, isso é certo... Mas sabes lá, tu que tens vivido sem
                  necessidades, a que sacrifícios obriga a pobreza?
                         – Não faltam ofícios!
                         – Mas sobejam concorrentes... Eu sei o que vai por aí! Olha: vou apontar-te
                  um exemplo: o Dr. Teobaldo Ribas. Lembras-te? Um engenheiro distinto! Está com
                  um emprego secundário numa companhia de empreitadas; a família habita numa
                  casinhola de porta e janela na Cidade Nova e pode-se adivinhar o que se passa lá
                  dentro, entre oito crianças fracas e o casal sem recursos... Eu, francamente, não sei
                  mesmo como esta pobre moça ainda te atura. Pelas desfeitas que lhe tens feito, se
                  fosse outra...
                         – Ter-se-ia ido embora. É o que eu digo. Não tem brio. Mas o meu partido
                  está tomado; custe o que custar e seja como for hei de pô-la fora daqui.
                         – Não faças isso!
                         – Ora essa! Por que não?
                         – Não estás em tua casa!
                         – Estou na casa de minha filha.
                         – Para o que te deu! Tua filha só existe na tua imaginação. Capacita-te disso,
                  pelo amor de Deus! É um caso de obstinação incompreensível, em ti, que foste
                  sempre tão criteriosa. Acalma-te... e voltemos para a nossa chácara. Eu estou farto
                  de cidade até aqui! – e apontava para a calva.
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