Page 106 - 2M A INTRUSA
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O deputado impacientava-se. Adolfo parecia grudado ao bufê, comendo
sanduíches e bebericando cerveja, no meio de um grupo de remadores muito
adulados pela admiração dos outros. Trocavam-se brindes apressados; e na alegria,
até um velhote pálido e encartolado trauteava a Carmen, acompanhando as
sonoridades da banda.
O intervalo acabava-se. Ouviu-se o estampido do sinal de partida.
Voltaram-se para o mar.
– Lá vem ela! – exclamou Teles à meia voz, sobressaltado.
– Um ibisco! – observou Adolfo, olhando para uma lancha que se aproximava
do cais.
O ibisco era a madame Senra, toda de escarlate, com os bandós dourados
rebrilhando sob as papoulas do chapéu. Ela agitava a sombrinha vermelha,rindo-se
para o Teles, que se precipitou alvoroçado e inconveniente para a receber no
desembarque, sem atenção aos bigodes retorcidos do Senra e à escolta de moças
que a acompanhavam.
Caldas imaginou:
"O patife do Teles vai passar uma hora feliz, uma hora ligeira, dessas que
suspendem a vida! Por que será que as mulheres bonitas dão geralmente
preferência aos banais? Esta é linda. Uma flor!... Sempre que a vejo sinto os meus
pensamentos transformarem-se em abelhas... ela mesma deve sentir-se como que
nimbada por um adejo de asas... volúpia dos olhos, tentados pela sua graça... Não
se me dava!... Que lhe dirá o idiota do Teles? Sua Excelência alcançará ali o que
não alcança na Câmara: chegar ao fim?... Pois é bem boa esta cerveja, e vou tomar
mais um copo... Talvez chegue... sim... ela não é rígida... uma flor!"
A Pedrosa vira-o agora. Cumprimentava-o de longe. Que maçada! era preciso
ir dizer adeusinho à Pedrosa!
"O amor faz falta", continuava a meditar Adolfo; "desinteressa a gente de
tudo... É um abandono, uma estupidez!"
Acotovelando o povo, ele saiu do bufê e entrou no pavilhão central, ao mesmo
tempo que uma cesta de flores e uma bandeja de bombons.
– Entrei num momento simpático... – concluiu ele para si. E foi cumprimentar
as senhoras. Lá fora renovava-se a cena:
– Bravo!
– Viva Icarahy!
– Viva... Vasco da Gama!
– Viva... a!
Voavam as flâmulas e os galhardetes; outra baleeira veio passear o seu
triunfo, beirando o cais, onde a multidão estrondeava em palmas.
Na lindeza do céu, de um azul carregado e límpido, ressaltavam as cores
maravilhosamente. Os perfis dos morros, rochosos uns, verdejantes outros,
destacavam-se em todas as suas linhas, com surpreendentes minúcias. Nas
arquibancadas as linhas das mulheres eram como orlas de flores de matiz viçoso
que as ondas tivessem deposto na terra maravilhada.
– O esporte é a alma do Rio – afirmava a Pedrosa a uma amiga, no momento
da aproximação de Adolfo. – Veja que entusiasmo! Decididamente, ele veio
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