Page 107 - 2M A INTRUSA
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substituir os bailes... Hoje dança-se pouco. O remo e o futebol roubam os pares às
moças... não é verdade, Dr. Caldas?
– Protestando contra o título, confirmo, como não podia deixar de confirmar...
– Protesta por modéstia?
– Por consciência...
– Outros o usam com menos justiça... Eu teimarei em chamá-lo doutor... Por
que não nos tem aparecido?
Ele desculpou-se, e como se tivessem aconchegado mais as pessoas do
grupo, deixou-se ficar, envolvido nos perfumes dos vestidos bonitos que o cercavam.
Sinhá, sempre voltada para o mar, não perdia de vista uma baleeira onde um rapaz
loiro se condecorara com um ramo de violetas... A mãe falava, falava sempre,
semeando sentenças, no seu palavreado animado e imperativo.
O marido não a acompanhara. Lá tinha tempo para se divertir!
Os altos negócios do Estado sufocavam-no; vivia numa rede de conferências,
projetos e estudos de responsabilidade. Se todos tivessem a sua sinceridade!
– Faziam-lhe justiça... – observaram.
– Qual! Os sacrifícios eram de tal ordem, que não transpareciam
completamente cá fora... Um verdadeiro escravo das suas idéias, o marido! A
política é despótica... O que lhe valia era não ter ciúmes... De resto, – concluía ela,
para dizer algo em ar de sentença: – no amor, quando o ciúme entra pela porta, a
confiança salta pela janela! Em todo o sentido, – e sublinhava com o olhar a frase –
nunca deixara de confiar no marido.
Cultivava a ilusão, se é que era ilusão, como quem cultivava uma plantinha
rara, de flores miraculosas. E assegurava: – Está nisso o segredo da felicidade
feminina!
As moças nem a ouviam, inclinadas sobre os peitoris, à espera!
Era agora o páreo do Campeonato. Crescia o entusiasmo. Quem ganharia a
taça de ouro?
Soou o tiro, sinal da partida.
Arfavam as bambinelas de renda do pavilhão e as tiras gárrulas das
bandeirolas ao sopro salitrado da aragem. Um rosário de marrequinhas desfiou-se
no ar com o susto. Nas arquibancadas os leques e as fitas multicores agitavam-se
numa palpitação violenta.
– Aceita este raminho de violetas, Sinhá? – disse Caldas com malícia.
– O seu caiu ao mar...
– Aceito, com a condição de poder dar a este o mesmo destino que dei ao
outro...
Para tomar as flores da mão de Adolfo, Sinhá voltou-se e relanceou depois o
olhar em torno do pavilhão.
– Olhe quem está ali!... – disse ela à mãe, baixinho, apontando com os olhos
um certo ponto do cais.
A mãe seguiu-lhe a direção e também Adolfo, que lhe não perdera os
movimentos.
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