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O Filho de Gabriela

                                                                           A ANTÔNIO NORONHA
                                                                           SANTOS

                                                           "Chaque progrès, au fond, est un avortement
                                                                               Mais l'échec même sert".
                                                                                                 Guyau

                        ABSOLUTAMENTE não pode continuar assim... Já passa... É todo o dia! Arre! - Mas
                  é meu filho, minh'ama.

                        E que tem isso? Os filhos de vocês agora têm tanto luxo. Antigamente, criavam-se
                  à toa; hoje, é um deus-nos-acuda; exigem cuidados, têm moléstias... Fique sabendo: não
                  pode ir amanhã!

                        - Ele vai melhorando, Dona Laura; e o doutor disse que não deixasse de levá-lo
                          lá, amanhã...

                        - Não pode, não pode, já lhe disse! O conselheiro precisa chegar cedo à escola; há
                  exames e tem que almoçar cedo... Não vai, não senhora ! A gente tem criados pra que?
                  Não vai, não !
                        - Vou, e vou sim !... Que bobagem .!... Quer matar o pequeno, não é? Pois sim...
                          Está-se "ninando"...

                        - O que é que você disse, hein?

                        - É isso mesmo: vou e vou!

                        - Atrevida .

                        - Atrevida é você, sua... Pensa que não sei...

                        Em seguida as duas mulheres se puseram caladas durante  um instante: a patroa
                  - uma alta senhora, ainda moça, de uma beleza suave e marmórea - com os lábios finos
                  muito  descorados  e  entreabertos,  deixando  ver  os  dentes  aperolados,  muito  iguais,
                  cerrados de cólera; a criada agitada, transformada, com faiscações desusadas nos olhos
                  pardos e tristes. A patroa não se demorou assim muito tempo. Violentamente contraída
                  naquele segundo a sua fisionomia repentinamente se abriu num choro convulsivo.

                        A injúria da criada, decepções matrimoniais, amarguras do seu ideal amoroso,
                  fatalidades de temperamento, todo aquele obscuro drama de sua alma, feito de uma
                  porção de coisas que não chegava bem a colher, mas nas  malhas das quais se  sentia
                  presa e sacudida, subiu-lhe de repente à consciência, e ela chorou.

                        Na sua simplicidade popular, a criada também se pôs a chorar, enternecida pelo
                  sofrimento que ela mesma provocara na ama.
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