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Desprendimentos do tabaco, emanações alcoólicas, e, a mais,  uma  fortíssima
                  exalação de sensualidade e lubricidade, davam à sala o aspecto repugnante de uma vasta
                  bodega.

                        Mais ou menos embriagado, cada um dos espectadores tinha para com a mulher
                  com  quem  bebia,  gestos  livres  de  alcova.  Francesas,  italianas,  húngaras,  espanholas,
                  essas  mulheres,  de  dentro  das  rendas,  surgiam  espectrais,  apagadas,  lívidas  como
                  moribundas. Entretanto, ou fosse o álcool ou o prestígio de peregrinas, tinham sobre
                  aqueles  homens  um  misterioso  ascendente.  A  esquerda,  na  platéia,  o  majestoso
                  deputado da entrada coçava despudoradamente a nuca da Dermalet, uma francesa;  em
                  frente o doutor Castrioto, lente de uma escola superior, babava-se todo a olhar as pernas
                  da cantora em cena, enquanto em um camarote defronte, o Juiz Siqueira apertava-se à
                  Mercedes, uma bailarina espanhola, com o fogo de um recém-casado à noiva.

                        Um sopro de deboche percorria homem a homem.

                        Dessa  forma  o  espetáculo  desenvolvia-se  no  mais  fervoroso  entusiasmo  e  o
                  coronel, no camarote, de soslaio, pusera-se a observar a mulata. Era bonita de fato e
                  elegante  também.  Viera  com  um  vestido  creme  de  pintas  pretas,  que  lhe  assentava
                  magnificamente.

                        O seu rosto harmonioso, enquadrado num magnífico chapéu de palha preta, saía
                  firme do pescoço roliço que a blusa decotada deixava ver. Seus olhos curiosos, inquietos,
                  voavam de um lado a outro e a tez de bronze novo cintilava à luz dos focos. Através do
                  vestido  se  lhe  adivinhavam  as  formas;  e,  por  vezes,  ao  arfar, ela  toda  trepidava  de
                  volúpia...

                        O  comendador  pachorrentamente  assistia  ao  espetáculo  e  fora  do  costume,
                  pouco  conversou.  O amigo, pudicamente não insistiu no exame.

                        Quando  saíram de permeio  à  multidão, acumulada no  corredor  da  entrada,  o
                  coronel teve ocasião de verificar o efeito que fizera a companheira do amigo. Ficando
                  mais  atrás,  pôde  ir  recolhendo  os  ditos  e  as  observações  que  a  passagem  deles  ia
                  sugerindo a cada um.

                        Um rapazola dissera:

                        - Que "mulatão"! Um outro refletiu:


                        - Esses  portugueses  são  os  demônios  para  descobrir  boas  mulatas.  É  faro.  Ao
                  passarem os dois, alguém, a quem ele não viu, maliciosamente observou:

                        - Parecem pai e filha.
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