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passagem de um oficial a cavalo, imaginava-se na guerra, feito general, voltando
vencedor, vitorioso de ingleses, de alemães, de americanos e entrando pela Rua do
Ouvidor aclamado como nunca se fora aqui. Na sua cabeça ainda infantil, em que a
fraqueza de afetos próximos concentrava o pensamento, a imaginação palpitava, tinha
uma grande atividade, criando toda a espécie de fantasmagorias que lhe apareciam
como fatos possíveis, virtuais.
Eram-lhe as horas de aula um bem triste momento. Não que fosse vadio,
estudava o seu bocado, mas o espetáculo do saber, por um lado grandioso e apoteótico,
pela boca dos professores, chegava-lhe tisnado e um quê desarticulado. Não conseguia
ligar bem umas coisas às outras, além do que tudo aquilo lhe aparecia solene, carrancudo
e feroz. Um teorema tinha o ar autoritário de um régulo selvagem; e aquela gramática
cheia de regrinhas, de exceções, uma coisa cabalística, caprichosa e sem aplicação útil.
O mundo parecia-lhe uma coisa dura, cheia de arestas cortantes, governado por
uma porção de regrinhas de três linhas, cujo segredo e aplicação estavam entregues a
uma casta de senhores, tratáveis uns, secos outros, mas todos velhos e indiferentes.
Aos seus exames ninguém assistia, nem por eles alguém se interessava; contudo.
foi sempre regularmente aprovado.
Quando voltava do colégio, procurava a madrinha e contava-lhe o que se dera nas
aulas. Narrava-lhe pequenas particularidades do dia, as notas que obtivera e as
travessuras dos colegas.
Uma tarde, quando isso ia fazer, encontrou Dona Laura atendendo a uma
visita. Vendo-o entrar e falar à dona da casa, tomando-lhe a bênção] a senhora estranha
perguntou: "Quem é este pequeno?" - "E meu afilhado", disse-lhe Dona Laura. "Teu
afilhado? Ahn! sim! É o filho da Gabriela..."
Horácio ainda esteve um instante calado, estatelado e depois chorou
nervosamente. Quando se retirou observou a visita à madrinha:
- Você está criando mal esta criança. Faz-lhe muitos mimos, está lhe dando
nervos...
- Não faz mal. Podem levá-lo longe.
E assim corria a vida do menino em casa do conselheiro.
Um domingo ou outro, só ou com um companheiro, vagava pelas praias, pelos
bondes ou pelos jardins. O Jardim Botânico era-lhe preferido. Ele e o seu constante amigo
Salvador sentavam-se a um banco, conversavam sobre os estudos comuns, maldiziam
este ou aquele professor. Por fim, a conversa vinha a enfraquecer; os dois se calavam
instantes. Horácio deixava-se penetrar pela flutuante poesia das coisas, das árvores, dos
céus, das nuvens; acariciava com o olhar as angustiadas colunas das montanhas,
simpatizava com o arremesso dos píncaros, depois deixava-se ficar, ao chilreio do
passaredo, cismando vazio, sem que a cisma lhe fizesse ver coisa definida, palpável