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E essa reflexão de pequeno alcance na boca que a proferiu, calou fundo no
ânimo do coronel.
Os queixos eram iguais, as sobrancelhas, arqueadas, também; o ar, um não sei
quê de ambos assemelhavam-se... Vagas semelhanças, concluiu o coronel ao sair à rua,
quando uma baforada de brisa marinha lhe acariciou o rosto afogueado.
Já o carro rolava rápido pela rua quieta - quietude agora perturbada pelas vozes
esquentadas dos espectadores saídos e pelas falsas risadas de suas companheiras -
quando o comendador, levantando-se no estrado da carruagem, ordenou ao cocheiro
que parasse no hotel, antes de tocar para a pensão. A sala sombria e pobre do hotel
tinha sempre por aquela hora uma aparência brilhante. A agitação que ia nela; as sedas
roçagantes e os chapéus vistosos das mulheres; a profusão de luzes, o irisado das plumas,
os perfumes requintados que voavam pelo ambiente; transmudavam-na de sua habitual
fisionomia pacata e remediada. As pequenas mesas, pejadas de pratos e garrafas,
estavam todas elas ocupadas. Em cada, uma ou duas mulheres sentavam-se, seguidas de
um ou dous cavalheiros. Sílabas breves do francês, sons guturais do espanhol, dulçorosas
terminações italianas, chocavam-se, brigavam.
Do português nada se ouvia, parecia que se escondera de vergonha.
Alice, o comendador e o coronel, sentaram-se a uma mesa redonda em frente
à entrada. A ceia foi lauta e abundante. A sobremesa, os três convivas repentinamente
animados, puseram-se a conversar com calor. A mulata não gostara do Rio; preferia o
Recife. Lá sim ! O céu era outro; as comidas tinham outro sabor, melhor e mais quente.
Quem não se recordaria sempre de uma frigideira de camarões com maturins ou de um
bom feijão com leite de coco?
Depois, mesmo a cidade era mais bonita; as pontes, os rios, o teatro, as igrejas.
E os bairros então? A Madalena, Olinda... No Rio, ela concordava, havia mais
povo, mais dinheiro; mas Recife era outra cousa, era tudo...
- Você tem razão, disse o comendador; Recife é bonito, e muito mais . .
- O senhor, já esteve lá ?
- Seis anos; filha, seis anos; e levantou a mão esquerda à altura dos olhos, correu-
a pela testa, contornou com ela a cabeça, descansou-a afinal na perna e acrescentou:
comecei lá minha carreira comercial e tenho muitas saudades. Onde você morava?
- Ultimamente à Rua da Penha, mas nasci na de João de Barro, perto do Hospital
de Santa Águeda...
- Morei lá também, disse ele distraído.
- Criei-me pelas bandas de Olinda, continuou Alice, e por morte de minha mãe vim
para a casa do doutor Hildebrando, colocada pelo juiz...