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Saindo o seu amigo, o coronel considerou um pouco, mandou vir água
Apolinário, bebeu e saiu
Eram oito horas da noite.
Defronte ao café, o casarão de uma ordem terceira ensombrava a praça
parcamente iluminada pelos combustores de gás e por um foco elétrico ao centro. Das
ruas que nela terminavam, delgados filetes de gente saíam e entravam constantemente.
A praça era como um tanque a se encher e a se esvaziar eqüitativamente. Os bondes
da Jardim semeavam pelos lados a branca luz de seus focos e, de onde em onde, um
carro, um tílburi, a atravessava célere.
O coronel esteve algum tempo olhando o largo, preparou um novo charuto,
acendeu-o, foi até à porta, mirou um e outro transeunte, olhou o céu recamado de
estrelas, e, finalmente, devagar, partiu em direção à Lapa.
Quando entrou no cassino, ainda o espetáculo não havia começado. Sentou-se a
um banco no jardim, serviu-se de cerveja e entrou a pensar.
Aos poucos, vinham chegando os espectadores. Naquele instante entrava um.
Via-se pelo acanhamento, que era um estranho às usanças da casa. Esmerado no vestir,
no calçar, não tinha em troca o desembaraço com que se anuncia o habitué. Moço,
moreno, seria elegante se não fosse a estreiteza de seus movimentos. Era um visitante
ocasional, recém-chegado, talvez, do interior, que procurava ali uma curiosidade, um
prazer da cidade.
Em seguida, entrou um senhor barbado, de maçãs salientes, rosto redondo,
acobreado. Trazia cartola, e pelo ar solene, pelo olhar desdenhoso que atirava em volta,
descobria-se nele um legislador da Cadeia Velha, deputado, representante de algum
Estado do Norte, que, com certeza, há duas legislaturas influía poderosamente nos
destinos do país com o seu resignado apoiado. E assim, um a um, depois aos magotes,
foram entrando os espectadores. Ao fim, na cauda, retardados, vieram os freqüentadores
assíduos - pessoas variegadas de profissão e moral que com freqüência blasonavam
saber os nomes das cocottes, a proveniência delas e as suas excentricidades libertinas.
Entre os que entravam naquele momento, entrara também o comendador e o " achado"
.
A primeira parte do espetáculo correra quase friamente.
Todos, homens e mulheres, guardavam as maneiras convencionadas de se estar
em público. Era cedo ainda.
Em meio, porém, da segunda, as atitudes mudaram. Na cena, uma delgadinha
senhora (chanteuse à diction - no cartaz) berrava uma cançoneta francesa.
Os espectadores, com batidos das bengalas nas mesas, no assoalho, e com a voz
mais ou menos comprometida, estribilhavam-na doidamente. O espetáculo ia no auge.
Da sala aos camarotes subia um estranho cheiro - um odor azedo de orgia.
Centenas de charutos e cigarros a fumegar enevoavam todo ambiente.