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ambos ficavam estupidamente mudos.
Tudo aderiu; e o velho imperador e os seus parentes, exceto os Hjanlhianes, foram
exilados. Ficou também o pequeno príncipe Dom Henrique como refém e sonhou que
os imperiais parentes dele não tentariam nenhum golpe de mão contra as instituições
populares, que acabavam de trazer a próxima felicidade da Bruzundanga.
Foi escolhida uma junta governativa, cujo chefe foi aquele Hjanlhianes, Tétrech,
que era favorito do Imperador Sanjon.
Começou logo a construir palácios e teatros, a pôr casas abaixo, para fazer
avenidas suntuosas. O dinheiro da receita não chegava, aumentou os impostos, e
vexações, multas, etc. Enquanto a constituinte não votava a nova Constituição,
decuplicou os direitos de entrada de produtos estrangeiros manufaturados. Os espertos
começaram a manter curiosas fábricas de produtos nacionais da seguinte forma, por
exemplo : adquiriam em outros países solas, sapatos já recortados. Importavam tudo
isso, como matéria-prima, livre de impostos, montavam as botas nas suas singulares
fábricas e vendiam pelo triplo do que custavam os estrangeiros.
Outra forma de extorquir dinheiro ao povo e enriquecer mais ainda os ricos eram
as isenções de direitos alfandegários.
Tétrech decretou isenções de direitos para maquinismos, etc., destinados a usinas
modelos de açúcar, por exemplo, e prêmios para a exportação dos mesmos produtos. Os
ricos somente podiam mantê-los e trataram de fazê-lo logo. Fabricaram açúcar à
vontade, mas mandavam para o exterior, pela metade do custo, a quase totalidade da
produção, pois os prêmios cobriam o prejuízo e o encarecimento fatal de produto, nos
mercados da Bruzundanga, também. Nunca houve tempo, em que se inventassem com
tanta perfeição tantas ladroeiras legais.
A fortuna particular de alguns, em menos de dez anos, quase que quintuplicou;
mas o Estado, os pequenos burgueses e o povo, pouco a pouco, foram caindo na miséria
mais atroz.
O povo do campo, dos latifúndios (fazendas) e empresas deixou a agricultura e
correu para a cidade atraído pela alta dos salários; era, porém, uma ilusão, pois a vida
tornou-se caríssima. Os que lá ficaram, roídos pelas doenças e pela bebida, deixavam-
se ficar vivendo num desânimo de agruras.
Os salários eram baixíssimos e não lhes davam com o que se alimentassem
razoavelmente; andavam quase nus; as suas casas eram sujíssimas e cheias de insetos
parasitas, transmissores de moléstias terríveis. A raça da Bruzundanga tinha por isso uma
caligem de tristeza que lhe emprestava tudo quanto ela continha: as armas, o escachoar
das cachoeiras, o canto doloroso dos pássaros, o cicio da chuva nas cobertas de sapê
da choça - tudo nela era dor, choro e tristeza. Dir-se-ia que aquela terra tão velha se
sentia aos poucos sem viver...