Page 49 -
P. 49
O Falso Dom Henrique V
(Episódio da história de Bruzundanga)
NAS NOTAS da minha viagem à República da Bruzundanga, que devem aparecer
brevemente, eu me abstive, para não tornar enfadonho o livro, de tratar da sua história.
Não que ela deixe, por isso ou aquilo, de ser interessante; mas por ser trabalhosa a
tarefa, à vista das muitas identificações das datas de certos fatos, que exigiam uma
paciente transposição de sua cronologia para a nossa e também porque certas formas
de dizer e de pensar são muito expressivas na língua de lá, mas que numa tradução
instantânea para a de cá ficariam sem sal, sem o sainete próprio, a menos que não
quisesse eu deter-me anos em tal afã.
Conquanto não seja rigorosamente científico, como diria um antigo aluno da École
Nationale des Chartes, de Paris; conquanto não seja assim, eu tomei a resolução heróica
de aproximar a grosso modo, nesta breve notícia, os mais peculiares à Bruzundanga dos
nossos nomes portugueses e nomes típicos assim como, do nosso calendário usual, as
datas da cronologia nacional da República da Bruzundanga, que seria obrigado a fazer
referência.
É assim que o nome do principal personagem desta narração não é bem o
germano-luso Henrique Costa; mas, no falar da República de que trato, Henbe-en-
Rhinque.
Avisados disso os eruditos, estou certo de que não tomarão por inqualificável
ignorância da minha parte esse traduzir fantástico às vezes, mesmo, só se baseando na
simples homofonia dos vocábulos.
A história do falso Dom Henrique, que foi Imperador da Bruzundanga, é muito
semelhante à daquele falso Demétrio que imperou na Rússia onze meses. Mérimée
contou-lhe a história em um livro estimável.
O imperador Dom Sajon (Shah-Jehon) reinava desde muito e o seu reinado parecia
não querer tomar termo. Todos os seus filhos varões tinham morrido e a sua herança
passava para os seus netos varões, os quais nos últimos anos do seu governo, se haviam
reduzido a um único.
Lá, convém lembrar, havia uma espécie de lei sálica que não permitia princesa no
trono, embora, em falta do filho do príncipe varão, pudessem os filhos delas governar e
reinar.
O Imperador Dom Sajon, conquanto fosse despótico, mesmo, em certas vezes,
cruel e sanguinário, era amado do povo, sobre o qual a sua cólera quase nunca se fazia
sentir.
Tinha no coração que a sua gente pobre fosse o menos pobre possível; que no
seu império não houvesse fome; que os nobres e príncipes não esmagassem nem
espoliassem os camponeses. Espalhava escolas e academias e, aos que se distinguiam,