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O Falso Dom Henrique V
                                          (Episódio da história de Bruzundanga)


                        NAS NOTAS da minha  viagem à  República da Bruzundanga,  que devem aparecer
                  brevemente,  eu me abstive, para não tornar enfadonho o livro, de tratar da sua história.
                  Não  que  ela deixe, por isso ou aquilo, de ser interessante; mas por ser trabalhosa a
                  tarefa, à vista das  muitas identificações das  datas de certos fatos, que exigiam uma
                  paciente transposição de sua cronologia  para a  nossa e  também porque certas  formas
                  de dizer e de pensar são muito expressivas na língua de lá, mas que numa tradução
                  instantânea  para  a de cá ficariam sem sal, sem o  sainete próprio, a menos que  não
                  quisesse eu deter-me anos em tal afã.

                        Conquanto não seja rigorosamente científico, como diria um antigo aluno da École
                  Nationale des Chartes, de Paris; conquanto não seja assim, eu tomei a resolução heróica
                  de aproximar a grosso modo, nesta breve notícia,  os  mais peculiares à Bruzundanga dos
                  nossos  nomes portugueses e  nomes típicos assim como, do nosso calendário usual, as
                  datas da cronologia nacional da República da Bruzundanga, que seria obrigado a fazer
                  referência.

                        É  assim  que  o  nome  do  principal  personagem  desta  narração  não  é  bem  o
                  germano-luso  Henrique  Costa;  mas,  no  falar  da  República  de  que  trato,  Henbe-en-
                  Rhinque.

                        Avisados disso os eruditos,  estou certo de que não tomarão por inqualificável
                  ignorância da  minha parte esse traduzir fantástico às vezes, mesmo, só se baseando na
                  simples homofonia dos vocábulos.

                        A história do falso Dom Henrique, que foi Imperador da Bruzundanga, é muito
                  semelhante  à  daquele falso  Demétrio  que  imperou  na  Rússia  onze  meses.  Mérimée
                  contou-lhe a história em um livro estimável.

                        O imperador Dom Sajon (Shah-Jehon) reinava desde muito e o seu reinado parecia
                  não querer tomar termo. Todos os seus filhos varões tinham morrido e a sua herança
                  passava para os seus netos varões, os quais nos últimos anos do seu governo, se haviam
                  reduzido a um único.

                        Lá, convém lembrar, havia uma espécie de lei sálica que não permitia princesa no
                  trono, embora, em falta do filho do príncipe varão, pudessem os filhos delas governar e
                  reinar.

                        O Imperador Dom Sajon, conquanto fosse despótico,  mesmo, em certas  vezes,
                  cruel  e sanguinário, era amado do povo, sobre o qual a sua cólera quase nunca se fazia
                  sentir.

                        Tinha no coração que a sua gente pobre fosse o  menos pobre possível; que no
                  seu  império  não  houvesse  fome;  que  os  nobres  e  príncipes  não  esmagassem  nem
                  espoliassem  os  camponeses.  Espalhava escolas e academias e, aos que se distinguiam,
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