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humano dos " diabos vermelhos" , como os chinas chamam os europeus e os de raça
                  européia.
                        Deixando  a  famulagem  do  governador  britânico  de  Hong-Kong,  Fu-Shi-Tô  não
                  podia ter outro cargo, na sua própria pátria, senão o de general no exército do vice-rei
                  de Cantão. E assim foi ele feito, mostrando-se desde logo um inovador, introduzindo
                  melhoramentos na tropa e no material bélico, merecendo por isso ser condecorado, com
                  o dragão imperial de ouro maciço. Foi ele quem substituiu, na força armada cantonesa,
                  os canhões  de  papelão,  pelos  do  Krupp;  e,  com  isto,  ganhou  de  comissão  alguns
                  bilhões de taels, que repartiu com o vice-rei. Os franceses do Canet queriam lhe dar um
                  pouco menos, por isso ele julgou mais perfeitos os canhões do Krupp, em comparação
                  com os do Canet. Entendia, a fundo, de artilharia, o ex-fâmulo  do governador de Hong-
                  Kong.

                        O exército de Li-Huang-Pô estava acampado havia  um mês,  nas "planícies dos
                  dias felizes", quando ele se resolveu a ir assistir-lhe as manobras, antes de passar-lhe a
                  revista final.

                        O  vice-rei,  acompanhado  do  seu  séquito,  do  qual  fazia  parte  o  seu  exímio
                  cabeleireiro Pi-Nu, lá foi para a linda planície, esperando assistir a manobras de  um
                  verdadeiro exército germânico. Antegozava isso como  uma vítima  sua e, também, como
                  constituindo o penhor de sua eternidade no lugar rendoso de quase rei da rica província
                  de Cantão. Com um forte exército à mão, ninguém se atreveria a demiti-lo dele. Foi.

                        Assistiu as evoluções com curiosidade e atenção. A seu lado, Fu-Shi-Pô explicava
                  os temas e os detalhes do respectivo desenvolvimento, com a abundância e o saber de
                  quem havia estudado Arte da Guerra entre os varais de um cabriolet.

                        O vice-rei, porém, não parecia satisfeito. Notava hesitações, falta de élan na tropa,
                  rapidez  e  exatidão  nas  evoluções  e  pouca  obediência  ao  comando  em  chefe  e  aos
                  comandados  particulares;  enfim,  pouca eficiência  militar naquele exército que devia
                  ser uma ameaça à China inteira, caso quisessem retirá-lo do cômodo e rendoso lugar de
                  vice-rei de Cantão. Comunicou isto ao general que lhe respondeu :

                        - É  verdade  o  que  Vossa  Excelência  Reverendíssima,  Poderosíssima,
                  Graciosíssima, Altíssima e Celestial diz; mas os defeitos são fáceis de remediar.

                        - Como? perguntou o vice-rei.

                        - É simples. O uniforme atual muito se parece com o alemão: mudemo-lo para
                  uma  imitação  do francês e tudo estará sanado.

                        Li-Huang-Pô pôs-se a pensar, recordando a sua estadia em Berlim, as festas  que
                  os  grandes dignatários da corte de Potsdam lhe fizeram, o  acolhimento do Kaiser e,
                  sobretudo, os taels que recebeu de sociedade com o seu general  Fu-Shi-Pô... Seria uma
                  ingratidão;  mas...  Pensou  ainda  um  pouco;  e,  por  fim,  num  repente,  disse
                  peremptoriamente:

                        - Mudemos o uniforme; e já!
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