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nas letras ou nas ciências, dava as maiores  funções do Estado, sem curar-lhes da origem.

                        Os  nobres  fidalgos  e  mesmo  os  burgueses  enriquecidos  do  pé  para  a  mão
                  murmuravam muito sobre a rotina do imperante e o seu viver modesto. Onde é que se
                  viu, diziam eles, um imperador que só tem dois palácios? E que palácios imundos! Não
                  têm  mármores,  não  têm  "frescos",  não  têm  quadros,  não  têm  estátuas...Ele,
                  continuavam, que  é dado à  botânica,  não tem um parque,  como  o menor do Rei da
                  França,  nem um  castelo,  como  o  mais  insignificante  do  Rei  da  Inglaterra.  Qualquer
                  príncipe  italiano,  cujo principado é menos do que a sua capital, tem residências dez
                  vezes mais magníficas do que esse bocó de Sanjon.

                        O imperador ouvia isso da boca dos seus esculcas e espiões,  mas não dizia nada.
                  Sabia o sangue e a dor que essas construções opulentas custam aos povos. Sabia quantas
                  vidas,  quantas  misérias,  quanto sofrimento  custou  à  França  Versalhes.  Lembrava-se
                  bem da recomendação que Luiz XIV, arrependido, na hora da morte, fez a seu bisneto
                  e herdeiro, pedindo-lhe que não abusasse das construções e das guerras, como ele o
                  fizera.

                        Serviu assim o velho imperador o seu longo reinado sem dar ouvidos aos  fidalgos
                  e  grandes burgueses, desejosos todos eles de fazer parada das suas riquezas, títulos e
                  mulheres  belas,  em  grandes palácios, luxuosos teatros, vastos parques, construídos,
                  porém, com o suor do povo.

                        Vivia  modestamente,  como  já  foi  dito,  sem  fausto,  ou  antes  com  um  fausto
                  obsoleto, tanto pelo seu cerimonial propriamente quanto pelos apetrechos de que se
                  servia.  O  carro  de  gala  tinha  sido  do  seu  bisavô  e, ao  que  diziam,  as  librés  dos
                  palafreneiros ainda eram da época do pai, vendo-se até  em algumas os  remendos mal
                  postos.

                        Perdeu todas as filhas, por isso veio a ficar sendo, afinal, o único herdeiro o seu
                  neto Dom Carlos (Khárlithos). Era este um príncipe bom como o avô, mas mais simples e
                  mais triste do que Sanjon.

                        Vivia sempre afastado, fora da corte e dos fidalgos, num castelo retirado, cercado
                  de alguns amigos, de livros, de flores e árvores. Dos prazeres reais e feudais só guardava
                  um:  o  cavalo.  Era  a  sua  paixão  e  ele não só  os tinha dos  melhores,  como também,
                  ensaiava cruzamentos, para selecionar as raças nacionais.

                        Enviuvara dois anos após um casamento de conveniência e do seu enlace houvera
                  um único filho - o Príncipe Dom Henrique.

                        Apesar de viúvo nada se dizia sobre os seus costumes que eram os mais puros
                  e os mais morais que se podem exigir de um homem. O seu único vício era o cavalo e os
                  passeios a cavalo pelos arredores do seu castelo, às vezes com um amigo, às vezes com
                  um criado mas quase sempre só.

                        Os amigos íntimos diziam que o seu sofrimento e a sua tristeza vinham de pensar
                  em ser um dia imperador. Ele não disse, mas bem se podia admitir que raciocinasse com
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