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voltasse a casa a fim de procurar serviço. Deixava-se ficar pelas bodegas. Pela manhã, mal
varria a casa, fazia o café e moscava-se. Só quando a fome apertava aparecia.
Campos Bandeira, que fora tido, durante quarenta anos, por frio, indiferente,
indolor, egoísta e, até, mau, tinha, entretanto, por aquele náufrago da vida ternuras de
mãe e perdões de pai.
Uma manhã, "Casaca" despertou e, não vendo o seu amo de pé, foi até os seus
aposentos receber ordens. Topou-o na sala principal, amarrado e amordaçado. As
gavetas estavam revolvidas, embora os móveis estivessem nos seus lugares. "Casaca"
chamou por socorro; vieram os vizinhos e desembaraçando o professor da mordaça,
verificaram que ele ainda não estava morto. Fricções e todo o remédio que lhes veio à
mente empregaram, até tapas e socos. O doutor Campos Bandeira salvou-se, mas estava
louco e quase sem fala, tal a impressão de terror que recebeu. A polícia pesquisou e
verificou que houvera roubo de dinheiro, e grosso, graças a um caderno de notas do
velho professor. Todos os indícios eram contra o "Casaca" O pobre diabo negou. Bebera,
naquela tarde, até os botequins fecharem-se, por toda a parte, nas proximidades.
Recolhera-se completamente embriagado e não se 1embrava se tinha fechado a porta
da cozinha, que amanhecera aberta. Dormira e, daí em diante, não se 1embrava de ter
ouvido ou visto qualquer coisa.
Mas... tamancos do pobre diabo foram encontrados no local do crime; a corda,
com que atacaram a vítima, era dele; a camisa, com que fizeram a mordaça, era dele.
Ainda mais, ele dissera a "Seu" Antônio " do botequim" que, em breve, havia de ficar
rico, para beber na casa dele, Antônio, uma pipa de cachaça, já que ele recusava fiar-lhe
um "calisto". Foi pronunciado e compareceu a júri. Durante o tempo do processo, o
doutor Campos Bandeira ia melhorando. Recuperou a fala e, ao fim de um ano, estava
são. Tudo isto se passou no silêncio tumular do manicômio.
Chegou o dia do Júri. "Casaca" era o réu que o advogado Praxedes ia defender,
quebrando o seu juramento de não advogar no " crime" A sala encheu-se para ouvi-lo.
O pobre "Casaca" , sem pai, sem mãe, sem amigos, sem irmãos, sem parati, olhava
tudo aquilo com o olhar estúpido de animal doméstico num salão de pinturas. De
quando em quando, chorava. O promotor falou.
O doutor Felismino Praxedes Itapiru da Silva ia começar a sua estupenda defesa,
quando um dos circunstantes, dirigindo-se ao presidente do tribunal, disse com voz
firme:
- Senhor juiz, quem me quis matar e me roubou, não foi este pobre homem que
aí está, no banco dos réus; foi o seu eloqüente e elegante advogado.
Houve sussurro; o juiz admoestou a assistência, o popular continuou: