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Antes disso, porém, houve um acontecimento que abalou profundamente o povo.
                  O Príncipe Dom Henrique e o seu preceptor, Dom Hobhathy, foram encontrados numa
                  tarde, afogados num lago do jardim do castelo de Cubahandê. A nova correu célere por
                  todo o país, mas ninguém quis acreditar  no  fato,  tanto  mais que Tétrech Hjanlhianes
                  mandou executar todos os servidores do palácio.  Se  ele  os  mandou matar, considerava
                  a gente humilde, é porque não queria que ninguém dissesse que o menino tinha fugido.
                  E não saiu daí. Os padres das aldeias e arraiais, que se viam vexados e  perseguidos  -  os
                  das  cidades  sempre dispostos a esmagar aqueles, para servir os potentados nas suas
                  violências  e  opressões  contra  os  trabalhadores  rurais  -  não  cessavam  de  manter
                  veladamente essa crença da existência do Príncipe Henrique. Estava oculto, havia  de
                  aparecer...

                        Sofrimentos de toda a ordem caíram sobre o pobre povo da roça e do sertão;
                  privações  de  toda  a  natureza  caíram  sobre  ele;  e  colaram-lhe  a  fria  sanguessuga,  a
                  ventosa  dos  impostos,  cujo  produto  era  empregado  diretamente,  num  fausto
                  governamental  de  opereta,  e,  indiretamente,  numa  ostentação  ridícula  de  ricos  sem
                  educação nem instrução. Para beneficio geral, nada .

                        A Bruzundanga era um sarcófago de mármore, ouro e pedrarias, em cujo seio,
                  porém, o cadáver mal embalsamado do povo apodrecia e fermentava.

                        De  norte  a  sul,  sucediam-se  epidemias  de  loucuras,  umas  maiores,  outras
                  menores. Para debelar uma, foi preciso um verdadeiro exército de vinte mil homens.  No
                  interior  era  assim:  nas  cidades,  os  hospícios  e  asilos  de  alienados  regurgitavam.  O
                  sofrimento  e  a  penúria  levavam  ao  álcool,  "para  esquecer";  e  o  álcool  levava  ao
                  manicômio.

                        Profetas  regurgitavam,  cartomantes,  práticos  de  feitiçaria,  abusos  de  toda  a
                  ordem.  A  prostituição, clara  ou  clandestina,  era  quase  geral,  de  alto  a  baixo;  e  os
                  adultérios cresciam devido ao mútuo engano dos nubentes em represália, um ao outro,
                  fortuna ou meios, de obtê-la. Na classe pobre, também, por contágio. Apesar do luxo
                  tosco, bárbaro  e bronco, dos palácios e "perspectivas"  cenográficas, a  vida das cidades
                  era triste, de provocar lágrimas. A indolência dos ricos tinha abandonado as alturas dela,
                  as  suas  colinas pitorescas, e os pobres, os mais pobres, de mistura em toda espécie de
                  desgraçados criminosos e vagabundos, ocupavam as eminências urbanas com casebres
                  miseráveis,  sujos,  frios,  feitos  de  tábuas  de  caixões  de  sabão  e  cobertos  com  folhas
                  desdobradas de latas em que veio acondicionado o querosene.

                        Era a coroa, o laurel daquela glacial transformação política...

                        As dores do país tiveram eco num peito rústico e humilde. Surgiu num domingo o
                  profeta, que gemia por todo o país.

                        Rapidamente,  pela  nação  toda,  foram  conhecidas  as  profecias,  em  verso,  do
                  professor  Lopes.  Quem  era?  Numa  aldeia  da  província  de  Aurilândia,  um  velho
                  mestiço  que  tivera  algumas  luzes  de  seminário  e vivera  muito  tempo  a  ensinar  as
                  primeiras  letras,  apareceu  alistando  profecias,  umas  claras,  outras  confusas.  Em
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