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enfim, tudo o que denuncia inteligência.

                        Muito pouco se sabia dos seus antecedentes. Vagamente se dizia que Praxedes
                  fora sargento de um regimento policial de um Estado do Norte; e cursara como sargento
                  a faculdade de Direito respectiva, formando-se afinal. Acabado o curso, deu um desfalque
                  na caixa do batalhão com a cumplicidade de alguns oficiais, entre os quais, alguns eram
                  esteios do situacionismo local. Por único castigo, tivera baixa do serviço, enquanto os
                  oficiais lá continuaram. Escusado é dizer  que os "  dinheirosa"  com que  se lançava  no
                  Rio, vinham em grande parte das " economias lícitas do batalhão tal da força policial do
                  Estado *** ".

                        Eloqüente a seu modo, com voz cantante, embora um tanto nasalada, senhor de
                  imagens suas e, sobretudo, de alheias, tendo armazenado uma porção de pensamentos
                  e  opiniões  de  sábios  e  filósofos  de  todas as classes, Praxedes conseguia mascarar a
                  miséria de sua inteligência e a sua falta de verdadeira cultura, conversando  como  se
                  discursasse, encadeando aforismas e foguetões de retórica.

                        Só  o  fazia,  porém,  entre  os  colegas  e  repórteres  bem  comportados.  Nada  de
                  boêmios, poetas e noctívagos, na sua roda!

                        Advogava unicamente no cível e no comercial. Isto de "crime", dizia ele com
                        asco, "só para rábulas".

                        Pronunciava - "rábulas" - quase cuspindo, porque devem ter reparado que os mais
                  vaidosos com os títulos escolares são os burros e os de baixa extração que os possuem.

                        Para estes, ter um pergaminho, como eles pretensiosamente chamam o diploma,
                  é ficar acima  e diferente dos que o não têm, ganhar uma natureza especial e superior
                  aos demais, transformar-se até de alma.

                        Quando fui empregado da Secretaria da Guerra, havia  numa repartição  militar,
                  que  me ficava perto, um sargento amanuense com um defeito numa vista, que não
                  cessava de aborrecer-me com as suas sabenças e literatices. Formou-se numa faculdade
                  de Direito por aí e, sem que nem porque, deixou de me cumprimentar.

                        São sempre assim...

                        Praxedes Itapiru da Silva, ex-praça de pré de uma polícia provinciana, tinha em
                  grande conta, como coisa inacessível, aquele banalíssimo trambolho de uma vulgar carta
                  de bacharel; e, por isso, dava-se à importância de sumidade em qualquer departamento
                  do  pensamento humano  e  desprezava  soberbamente  os  rábulas  e,  em  geral,  os  não
                  formados.

                        Mas, contava eu, o impávido bacharel nortista  tinha  um grande desdém pela
                  advocacia  criminal;  à  vista disso,  certo dia,  todos  os  seus  íntimos  se  surpreenderam
                  quando ele lhes comunicou que ia defender um dado criminoso, no júri.

                        Era um réu de crime hediondo, cujo crime  deve estar ainda na 1embrança de
                  todos. Lá, pelas bandas de Inhaúma, num lugar chamado Timbó, vivia num "sítio" isolado,
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