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Foi Buscar Lã...
A SUA APARIÇÃO nos lugares do Rio onde se faz reputação, boa ou má, foi
súbita.
Veio do Norte, logo com a carta de bacharel, com solene pasta de couro da Rússia,
fecho e monograma de prata, chapéu-de-sol e bengala de castão de ouro, enfim, com
todos os apetrechos de um grande advogado e de um sábio jurisconsulto. Não se podia
dizer que fosse mulato; mas também não se podia dizer que fosse branco. Era indeciso.
O que havia nele de notável era o seu olhar vulpino, que pedia escuridão para brilhar com
força; mas que, à luz, era esquivo e de mirada erradia.
Aparecia sempre em roda de advogados, mais ou menos célebres, cheio de
morgue tomando refrescos, chopes, mas pouco se demorando nos botequins e
confeitarias. Parecia escolher com grande escrúpulo as suas relações. Nunca se o viu
com qualquer tipo aboemiado ou mal vestido. Todos os seus companheiros eram sempre
gente limpa e de vestuário tratado. Além do convívio das notabilidades do bureau
carioca, o doutor Felismino Praxedes Itapiru da Silva apreciava também a companhia
de repórteres e redatores de jornais, mas desses sérios, que não se metem em farras,
nem em pândegas baratas.
Aos poucos, começou a surgir seu nome, subscrevendo artigos nos jornais diários;
até, no Jornal do Comércio, foi publicado um, com quatro colunas, tratando das
"Indenizações por prejuízos resultantes de acidentes na navegação aérea"
As citações de textos de leis, de praxistas, de. comentadores de toda a espécie,
eram múltiplas, ocupavam, em suma, dois terços do artigo; mas o artigo era assinado
por ele: doutor Felismino Praxedes Itapiru da Silva.
Quando passava solene, dançando a cabeça como cavalo de coupé de casamento
rico, sobraçando a rica pasta rabulesca, atirando a bengala para adiante muito para
adiante, sem olhar para os lados, havia quem o invejasse, na Rua do Ouvidor ou na
avenida, e dissesse:
- Este Praxedes é um " águia" ! Chegou noutro dia do Norte e já está ganhando
rios de dinheiro na advocacia! Esses nortistas...
Não havia nenhuma verdade nisso. Apesar de ter carta de bacharel pela Bahia ou
por Pernambuco; apesar do ouro da bengala e da prata da pasta; apesar de ter escritório
na Rua do Rosário, a sua advocacia ainda era muito "mambembe". Pouco fazia e todo
aquele espetáculo de fraques, hotéis caros, táxis, cock-tails, etc., era custeado por algum
dinheiro que trouxera do Norte e pelo que obtivera aqui, por certos meios de que ele
tinha o segredo. Semeava, para colher mais tarde.
Chegara com o firme propósito de conquistar o Rio de Janeiro, fosse como fosse.
Praxedes era teimoso e, até, tinha a cabeça quadrada e a testa curta dos teimosos; mas
não havia na sua fisionomia mobilidade, variedade de expressões, uma certa irradiação,