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que a agitara, a torturara, mas, em compensação, espantara por algumas horas o tédio
daquele morno e plácido viver. É preciso contá-lo.
Augusto - Augusto Serpa de Castro - tal era o nome de seu marido - tinha um ar
mofino e enfezado; alguma cousa de índio nos cabelos muito negros, corredios e
brilhantes, e na tez acobreada. Seus olhos eram negros e grandes, com muito pouca luz,
mortiços e pobres de expressão, sobretudo de alegria.
A mulher, mais moça do que ele uns cinco ou seis anos, ainda não havia
completado os vinte. Era de uma grande vivacidade de fisionomia, muito móbil e vária,
embora o seu olhar castanho claro tivesse, em geral, uma forte expressão de melancolia
e sonho interior. Miúda de feições, franzina, de boa estatura e formas harmoniosas,
tudo nela era a graça do caniço, a sua esbelteza, que não teme os ventos, mas que
se curva à força deles com mais elegância ainda, para ciciar os queixumes contra o triste
fado de sua fragilidade, esquecendo-se, porém, que é esta que o faz vitorioso.
Após o casamento, vieram residir na Travessa das Saudades, na estação de * * *
É uma pitoresca rua, afastada alguma cousa das linhas da Central, cheia de altos
e baixos, dotada de uma caprichosa desigualdade de nível, tanto no sentido longitudinal
como no transversal.
Povoada de árvores e bambus, de um lado e outro, correndo quase exatamente
de norte para sul, as habitações do lado do nascente, em grande número, somem-se na
grota que ela forma, com o seu desnivelamento; e mais se ocultam debaixo dos
arvoredos em que os Cipós se tecem.
Do lado do poente, porém, as casas se alteiam e, por cima das de defronte, olham
em primeira mão a Aurora, com os seus inexprimíveis cambiantes de cores e matizes.
Como no fim do mês anterior, naquele outro, o segundo término de mês depois
do seu casamento, o bacharel Augusto, logo que recebeu os vencimentos e conferiu as
contas dos fornecedores, entregou o dinheiro necessário à mulher, para pagá-los, e
também a importância do aluguel da casa.
Zilda apressou-se em fazê-lo ao carniceiro, ao padeiro e ao vendeiro; mas, o
procurador do proprietário da casa em que moravam, demorou-se um pouco. Disso,
avisou o marido, em certa manhã, quando ele lhe dava uma pequena quantia para as
despesas com o quitandeiro e outras miudezas caseiras. Ele deixou o importe do aluguel
com ela.
Havia já quatro dias que ele se havia vencido; entretanto, o preposto do
roprietário não aparecia. Na manhã desse quarto dia, ela amanheceu alegre e, ao
mesmo tempo apreensiva.
Tinha sonhado; e que sonho !
Sonhou com a avó, a quem amava profundamente e que desejara muito o seu
casamento com Augusto. Morrera ela poucos meses antes de realizar-se o seu enlace