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O Número da Sepultura

                        QUE PODIA ela dizer, após três meses de casada, sobre o casamento? Era bom?


                        Era mau?


                        Não se animava a afirmar nem uma cousa, nem outra. Em  essência,  "aquilo"  lhe
                  parecia resumir-se em uma simples mudança de casa.

                        A que deixara não tinha mais nem menos cômodos do que a que viera habitar;
                  não tinha mais "largueza"; mas a " nova" possuía um jardinzito minúsculo e uma pia na
                  sala de jantar.

                        Era, no fim de contas, a diminuta diferença que existia entre ambas.

                        Passando da obediência dos pais, para a do marido, o que ela sentia, era o que se
                  sente  quando  se muda de habitação.

                        No começo, há nos que se mudam, agitação, atividade; puxa-se pela idéia,  a  fim
                  de  adaptar  os móveis à casa "nova" e, por conseguinte, eles, os seus recentes habitantes
                  também; isso, porém,  dura poucos dias.

                        No fim de um mês, os móveis já estão definitivamente " ancorados",  nos  seus
                  lugares,  e  os moradores se esquecem de que residem ali desde poucos dias.

                        Demais, para que ela não sentisse, profunda modificação, no seu viver, advinda
                  com o  casamento, havia a quase igualdade de gênios e hábitos de seu pai e seu marido.

                        Tanto um como outro, eram corteses com ela; brandos no tratar, serenos, sem
                  impropérios, e ambos, também,  meticulosos,  exatos  e  metódicos.  Não  houve,  assim,
                  abalo algum, na sua transplantação de um lar para outro.

                        Contudo,  esperava,  no  casamento  alguma  cousa  de  inédito  até  ali,  na  sua
                  existência de mulher: uma exuberante e contínua satisfação de viver.

                        Não sentiu, porém, nada disso.

                        O  que  houve  de  particular  na  sua  mudança  de  estado,  foi  insuficiente  para
                  Lhe  dar  uma  sensação nunca  sentida  da  vida e  do  mundo.  Não  percebeu nenhuma
                  novidade essencial...

                        Os  céus  cambiantes,  com  o  rosado  e  dourado  de  arrebóis,  que  o  casamento
                  promete a todos, moços e moças; não os vira ela. O sentimento de inteira liberdade, com
                  passeios, festas, teatros, visitas  - tudo que se  contém  para  as  mulheres,  na  idéia  de
                  casamento, durou somente a primeira semana de matrimônio.

                        Durante ela, ao lado do marido, passeara, visitara, fora a festas, e a teatros; mas
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