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assistira todas essas cousas, sem muito se interessar por elas, sem receber grandes ou
                  profundas emoções de surpresa, e ter sonhos fora do trivial da nossa mesquinha vida
                  terrestre. Cansavam-na até!

                        No começo, sentia alguma alegria e certo contentamento; por fim, porém, veio
                  o tédio por elas todas, a  nostalgia  da  quietude  de  sua  casa  suburbana,  onde  vivia  à
                  négligé  e  podia  sonhar,  sem  desconfiar  que  os outros  Lhe  pudessem  descobrir  os
                  devaneios crepusculares de sua pequenina alma de burguesia, saudosa e enfumaçada.

                        Não era raro que também ocorresse saudades da casa paterna, provocadas por
                  aquelas  chinfrinadas  de  teatros  ou  cinematográficas.  Acudia-lhe,  com  indefinível
                  sentimento,  a 1embrança  de velhos  móveis e outros pertences familiares da sua casa
                  paterna,  que  a  tinham  visto  desde  menina.  Era  uma  velha  cadeira  de  balanço  de
                  jacarandá; era uma leiteira de louça, pintada de azul, muito antiga; era o relógio sem
                  pêndula. octogonal. velho também; e outras bugigangas domésticas que, muito mais
                  fortemente do que os móveis e utensílios adquiridos recentemente, se haviam gravado
                  na sua memória.

                        Seu marido era um rapaz de excelentes qualidades matrimoniais, e não havia, no
                  nebuloso estado d'alma de Zilda, nenhum desgosto dele ou decepção que ele lhe tivesse
                  causado.

                        Morigerado, cumpridor exato dos seus deveres, na secção de que era chefe seu
                  pai, tinha todas as qualidades médias, para ser um bom chefe de família, cumprir o dever
                  de continuar a espécie e ser um bom diretor de secretaria ou repartição outra, de banco
                  ou de escritório comercial.

                        Em compensação, não possuía nenhuma proeminência de inteligência ou de ação.
                  Era  e  seria  sempre  uma  boa  peça  de  máquina,  bem  ajustada,  bem  polida  e  que,
                  lubrificada convenientemente, não diminuiria o rendimento daquela, mas que precisava
                  sempre do motor da iniciativa estranha, para se pôr em movimento.

                        Os  pais  de  Zilda  tinham  aproximado  os  dois;  a  avó,  a  quem  a  moça  estimava
                  deveras, fizera as insinuações de praxe; e, vendo ela que a coisa era do gosto de todos,
                  por curiosidade mais do que por amor ou outra cousa parecida, resolveu-se a casar com
                  o escriturário de seu pai. Casaram-se, viviam muito bem. Entre ambos, não havia a menor
                  rusga, a  menor  desinteligência que lhes toldasse a vida  matrimonial;  mas não existia
                  também como era  de esperar, uma profunda e constante penetração, de um para o
                  outro e vice-versa, de desejos, de sentimentos, de dores e alegrias.

                        Viviam placidamente numa tranqüilidade de lagoa, cercada de altas montanhas,
                  por entre as quais os ventos fortes não conseguiam penetrar, para encrespar-lhe as águas
                  imotas.

                        A beleza do viver daquele novel casal, não era ter conseguido  de duas fazer  uma
                  única  vontade; estava em que os dous continuassem a ser cada um uma personalidade,
                  sem que, entanto, encontrassem nunca motivo de conflito, o mais ligeiro que fosse. Uma
                  vez, porém.. Deixemos isso para mais tarde... O gênio e a educação de  ambos muito
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