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A cozinheira, que ainda estava na sala, de pé, assistindo os preparativos de tão
grande ousadia doméstica, acudiu com pressa:
- Não posso ir, nhanhã. Eles me embrulham e, se a senhora ganhar, a mim eles
não pagam. É preciso pessoa de mais respeito.
Dona Iracema, por aí, 1embrou :
- É possível que o Carlito tenha vindo já de Cascadura, onde foi ver a avó... Vai
ver, Genoveva!
A rapariga foi e voltou em companhia do Carlito, filho de Dona Iracema. Era um
rapagão dos seus dezoito anos, espadaúdo e saudável.
A lista foi feita convenientemente; e o rapaz levou-a ao "banqueiro".
Passava de uma hora da tarde, mas ainda faltava muito para as duas. Zilda
1embrou-se então do cobrador da casa. Não havia perigo. Se não tinha vindo até ali, não
viria mais.
Dona Iracema foi para a sua casa; Genoveva foi para a cozinha e Zilda foi repousar
daqueles embates morais e alternativas cruciantes, provocados pelo passo arriscado que
dera. Deitou-se já arrependida do que fizera.
Se perdesse, como havia de ser? O marido... sua cólera... as repreensões... Era
uma tonta, uma doida... Quis cochilar um pouco; mas logo que cerrou os olhos, lá viu o
número - 1724. Tomava-se então de esperança e sossegava um pouco da sua ânsia
angustiosa.
Passando, assim, da esperança ao desânimo, prelibando a satisfação de ganhar e
antevendo os desgostos que sofreria, caso perdesse - Zilda, chegou até à hora do
resultado, suportando os mais desencontrados estados de espírito e os mais hostis ao
seu sossego. Chegando o tempo de saber "o que dera" , foi até à janela. De onde em
onde, naquela rua esquecida e morta, passava uma pessoa qualquer. Ela tinha desejo
de perguntar ao transeunte o "resultado"., mas ficava possuída de vergonha e continha-
se.
Nesse ínterim, surge o Carlito a gritar:
- Dona Zilda! Dona Zilda! A senhora ganhou, menos no milhar e na
centena. Não deu um "ai" e ficou desmaiada no sofá da sua modesta sala de visitas.