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- Ora, porque? Aqueles meus colegas são uma pinóia...

                        - Que houve ?

                        - Pois o Pantaleão não está com o protocolo dele, o da Marinha, atrasado de
                          uma semana? Tive que o
                  pôr em dia...

                        - Papai foi quem te mandou?

                        - Não; mas era meu dever, como genro dele, evitar que a secção que ele dirige,
                  fosse tachada de relaxada. Demais não posso ver expediente atrasado...

                        - Então, esse Pantaleão falta muito?

                        - Um horror ! Desculpa-se com estar estudando direito. Eu também estudei,
                          quase sem faltas.

                        Com semelhantes notícias e outras de mexericos sobre a vida íntima, defeitos
                  morais e vícios dos colegas, que ele relatava à mulher, Zilda ficou enfronhada no viver da
                  diretoria  em  que  funcionava  seu marido, tanto no aspecto puramente burocrático,
                  como nos da vida particular e famílias dos respectivos empregados.

                        Ela sabia que o Calçoene bebia cachaça; que o Zé Fagundes vivia amancebado
                  com uma  crioula, tendo filhos com ela, um. dos quais com concurso e ia ser em breve
                  colega do marido; que o Feliciano Brites das Novas jogava nos dados todo o dinheiro que
                  conseguia arranjar que a mulher  do Nepomuceno  era amante do General T., com auxílio
                  do qual ele preteria todos nas promoções, etc., etc.

                        O marido não conversava com Zilda senão essas coisas da repartição; não tinha
                  outro assunto para palestrar com a mulher.Com as visitas e raros colegas com quem
                  discutia, a  matéria  da  conversação  eram coisas patrióticas: as forças de terra e mar, as
                  nossas riquezas naturais, etc.

                        Para  tais  argumentos  tinha  predileção  especial  e  um  especial  orgulho  em
                  desenvolvê-los com entusiasmo. Tudo o que era brasileiro era primeiro do mundo ou, no
                  mínimo, da América do Sul. E - ai! - de quem o contestasse; levava uma sarabanda que
                  resumia nesta frase clássica:

                        -      É por isso que o Brasil não vai para adiante. O brasileiro é o maior inimigo
                de sua pátria.

                        Zilda, pequena burguesa, de reduzida instrução e, como todas as mulheres, de
                  fraca curiosidade intelectual quando o ouvia discutir assim com os amigos, enchia-se de
                  enfado e sono; entretanto, gostava das suas alcovitices sobre os lares dos colegas...

                        Assim ela ia repassando a sua vida de casada, que já tinha mais de três meses
                feitos, na qual, para quebrar-lhe a monotonia e a igualdade, só houvera um acontecimento
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