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contribuíam para tal.
O marido, exato burocrata, era cordato, de temperamento calmo, ponderado e
seco que nem uma crise ministerial. A mulher era quase passiva e tendo sido educada
na disciplina ultra-regrada e esmerilhadora de seu pai, velho funcionário, obediente aos
chefes, aos ministros, aos secretários destes e mais bajuladores, às leis e regulamentos,
não tinha assomos nem caprichos, nem fortes vontades. Refugiava-se no sonho e,
desde que não fosse multado, estava por tudo.
Os hábitos do marido eram os mais regulares e executados, sem a mínima
discrepância. Erguia-se do leito muito cedo, quase ao alvorecer, antes mesmo da criada,
a Genoveva, levantar-se da cama. Pondo-se de pé, ele mesmo coava o café e, logo que
estava pronto, tomava uma grande xícara.
Esperando o jornal (só comprava um), ia para o pequeno jardim, varria-o,
amarrava as roseiras e craveiros, nos espeques, em seguida, dava milho às galinhas e
pintos e tratava dos passarinhos.
Chegando o jornal, lia-o meticulosamente, organizando, para uso do dia, as suas
opiniões literárias, científicas, artísticas, sociais e, também, sobre a política internacional
e as guerras que havia pelo mundo.
Quanto à política interna, construía algumas, mas não as manifestava a ninguém,
porque quase sempre eram contra o governo e ele precisava ser promovido.
Às nove e meia, já almoçado e vestido, despedia-se da mulher, com o clássico
beijo, e lá ia tomar o trem. Assinava o ponto, de acordo como regulamento, isto é,
nunca depois das dez e meia.
Na repartição, cumpria religiosamente os seus sacratíssimos deveres de
funcionário.
Sempre foi assim; mas, após o casamento, aumentou de zelo, a fim de pôr a
secção do sogro que nem um brinco, em questão de rapidez e presteza no andamento e
informações de papéis.
Andava pelas bancas dos colegas, pelos protocolos, quando o serviço lhe
faltava e se, nessa correição, topava com expediente em atraso, não hesitava: punha-
se a "desunhar".
Acontecendo-lhe isto, ao sentar-se à mesa, para jantar, já em trajes caseiros,
apressava-se em dizer a
mulher
- Arre ! Trabalhei hoje, Zilda, que nem o diabo !
- Porque ?