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Este comprava certos jornais; e Hildegardo, outros. O médico sentava-se a uma
                  cadeira de balanço; e o seu amigo numa dessas a que chamam de bordo ou; de lona. De
                  permeio, ficava-lhes a secretária. A sala era vasta e clara e toda ela adornada de quadros
                  anatômicos. Liam e depois conversavam. Assim fizeram, naquele domingo.

                        Hildegardo disse, ao fim da leitura dos quotidianos:

                        - Não sei como se pode viver no interior do Brasil .

                        - Porque ?

                        - Mata-se à toa por dá cá aquela palha. As paixões, mesquinhas paixões políticas,
                  exaltam os ânimos de tal modo, que uma facção não teme eliminar o adversário por meio
                  do assassinato, às vezes o revestindo da forma mais cruel. O predomínio, a chefia da
                  política local é o único fim visado nesses homicídios, quando não são questões de família,
                  de herança, de terras e, às vezes, causas menores. Não leio os jornais que não me apavore
                  com tais notícias. Não é aqui, nem ali; é em todo o Brasil, mesmo às portas do Rio de
                  Janeiro. É um horror! Além desses assassinatos, praticados por capangas - que nome
                  horrível! - há  os praticados  pelos policiais e semelhantes nas pessoas dos adversários
                  dos governos locais,  adversários  ou  tidos  como adversários. Basta um boquejo, para
                  chegar uma escolta, varejar fazendas, talar plantações, arrebanhar gado, encarcerar ou
                  surrar gente que, pelo seu trabalho, devia merecer  mais respeito.  Penso, de  mim para
                  mim,  ao ler  tais notícias,  que  a fortuna  dessa gente que  está  na câmara,  no  senado,
                  nos ministérios, até na presidência da república se alicerça no crime, no assassinato. Que
                  acha você ?

                        - Aqui, a diferença não é tão grande para o interior nesse  ponto. Já houve  quem
                  dissesse  que, quem não mandou um mortal deste para o outro mundo, não faz carreira
                  na política do Rio de Janeiro.

                        -  É verdade; mas, aqui, ao menos, as naturezas delicadas se podem abster  de
                  política;  mas,  no interior, não. Vêm as relações, os
                  pedidos e você se alista. A estreiteza do meio impõe isso, esse obséquio a um camarada,
                  favor que parece insignificante. As coisas vão bem; mas, num belo dia, esse camarada,
                  por isso ou por aquilo, rompe com o seu antigo chefe. Você, por lealdade, o segue; e eis
                  você arriscado a levar uma estocada em urna das virilhas ou a ser assassinado a pauladas
                  como um cão danado. E eu quis ir viver no interior !. De que me livrei, santo Deus
                  .

                        - Eu já tinha dito a você que esse negócio de paz na vida da roça é história. Quando
                  cliniquei, no interior, já havia observado esse prurido, essa ostentação de valentia de
                  que  os  caipiras  gostam  de  fazer  e  que,  as  mais  das  vezes,  é  causa  de  assassinatos
                  estúpidos. Poderia contar a você muitos casos dessa ostentação de assassinato, que parte
                  da  gente  da  roça,  mas  não  vale  a  pena.  É  coisa  sem  valia  e  só  pode  interessar  a
                  especialistas em estudos de criminologia.

                        - Penso  - observou Hildegardo - que  esse êxodo da população  dos campos para
                  as cidades, pode ser em parte atribuído à falta de segurança que existe na roça. Um
                  qualquer cabo de destacamento é um César naquelas  paragens -  que  fará  então um
                  delegado ou subdelegado É um horror!
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