Page 61 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
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O Centro Pastoril tem um reisado em 3 atos, interpretado pela sras. lrma Serra, Georgina do
               Nascimento, Maria Fernandes, Elvira de Almeida, Elisa, Adelina, Esmeralda,  Constança, Lauriana
               e outras meninas. Esse reisado é exatamente um auto como os fazia mestre Gil Vicente. Os
               personagens são o Guia, o Pastor Mestre, o Pastor, a Cigana, Diana Pastorinha, Galeguinho,
               Galego e Galega. O Natal é apenas o motivo da cena. Trepado na gaiola destinada à imprensa
               ausente,  diante  de  gaiola  policial  deserta,  apreciei  com  sabor  a  evolução  do  auto  e,  batendo
               palmas, parecia à minha alma que remontáramos quatrocentos anos, ao tempo em que
               d. Manuel oferecia ao Papa elefantes brancos ajaezados d’ouro e o povo acreditava com temor
               em Deus.


               No primeiro ato trata-se da chegada dos pastores e há o canto do dia:


               Salve estrela radiante
               Doce infante de alegria,
               Salve infante, salve aos homens,
               E a doce Virgem Maria.


                                     o
               Depois  a Cigana, no 2  ato, tem o papel preponderante: esmola, pede, abre a sacola  para que
               as oferendas caiam, entre as graçolas do Galeguinho, e no fim ficam os pastores todos sabendo
               que Jesus nasceu.


               Mas ouço por estes montes
               Brandas vozes a cantar
               Já daqui não me vou
               Sem estes sons escutar.


               Aí, no Centro Pastoril, a diretoria indica outros presepes. Há muitos: na Rua Frei Caneca mais
                                                os
               dois; na Rua de Santana três, os n  130 e 27; na Rua Bom Jardim mais dois, em S. Diogo três,
               e  ainda  em  S.  Clemente,  em  S.  Cristovão,  no  Estácio,  em  Itapagipe,  em  Catumbi  –  pobres,
               humildes, cheios de pompa, modestos, numa diversidade curiosa e estranha. Conto numa noite
               só mais de quarenta.


               O reisado faz-se em geral aos sábados, mas os proprietários, que têm Deus na sala, conservam
               as casas abertas e iluminadas.


               – Dá-me licença?


               – É a casa de Deus, pode entrar.


               Em alguns, senhoras e crianças olham, sonolentas, o presepe ao fundo, em outros a sala está
               inteiramente vazia ou os vigilantes dormem na crepitação das velas. Oh! a estética  dos presepes!
               Que assombroso charivari de datas, que fonte de idéias e de observações! Em S. Clemente vem
               ao estábulo um batalhão francês, no da Rua de Santana, 130, há um lago com repuxo e peixes
               do tamanho dos reis magos, no da Rua da Imperatriz alguns caçadores e um padre conversam
               com S. José; em Itapagipe encontrei uma montanha suíça com uma vaqueira perto do rei Gaspar.
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