Page 56 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
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– Pois eu conheço a você desde menino.
Ele abriu de todo as pálpebras pesadas, um sorriso de alegre bondade passou-lhe pelo lábio.
– Saiba vossa senhoria que bem pode ser! Toda essa gente importante de hoje eu conheci
meninos de colégio!
Não sei por que estava meio emocionado.
– E já fez ponto na Estrada de Ferro?
– Há vinte anos, eu e o Bamba.
Encostei-me à boléia do antigo vis-à-vis. Havia vinte anos sim, havia vinte anos que no passar
pela estação de carros os meus olhos de criança se fixaram curiosamente na fisionomia jocunda
de um velho, que já naquele tempo era velho e já naquele tempo gravemente roncava na boléia
de um carro! Havia vinte anos.
É como lhe digo, afirmava ele. Conhece a filha do barão de Cotegipe? Eu vi aquela santa
criatura menina. Conhece o filho do grande ministro João Alfredo? É meu amigo, dá-me dinheiro
sempre que vem ao Rio. Olhe, há de conhecer o Dr. Fernando Mendes de Almeida e mais o irmão
Dr. Cândido. Pois quando eu servia o pai, eles eram meninos de colégio. Há meses eu disse ao
Dr. Fernando tudo isso e ele foi dar um passeio no meu carro e deu-me doces, vinho do Porto,
dinheiro. Estava admirado e ria...
– Como se chama você?
– Braga, eu sou o Braga.
Pobre velho cocheiro a quem se dá como às crianças doces de confeitaria! Eu continuava
encostado ao vis-à-vis, imensamente triste e com a mesma curiosidade de criança.
– Trabalho neste ofício desde 1870. Tinha vinte anos, quando comecei. Toda a minha mocidade
foi acabada aqui.
– E não estás rico?!
– Rico?
Soltou uma gargalhada sonora que lhe balançou o ventre e envermelheceu mais. Os seus olhos
pequenos olhavam-me da boléia com superioridade compassiva. É difícil encontrar um cocheiro
de carro que tenha feito fortuna. Enriquecem os de carroça, os de caminhões. De carro, se citam