Page 58 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
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Despegou as mãos de sobre o peito.
– E vão morrendo todas as pessoas notáveis, já não há mais ninguém notável. Só restam o sr.
visconde de Barbacena, o sr. marquês de Paranaguá e mais dois outros.
Houve uma longa pausa. Como este cocheiro estava do outro lado da vida! Quinze anos apenas
tinham levado o seu mundo e o seu carro para a velha poeira da história! Ele falava como um eco,
e estava ali, olhando o boulevard reformado, pensando nos bons tempos das missas na catedral
e das moradas reais, hoje ocupadas pela burocracia republicana. . .
– O Braga é o mais velho cocheiro do Rio?
– Não senhor; é o Bamba, que começou em 1864.
Neste momento, outros cocheiros moços, limpos, de grandes calças abombachadas foram
aproximando os carros, com vontade de saber o que retinha um cavalheiro tanto tempo a prosar
com o velho. Logo se fez um barulho de rodas e de vozes.
– Ó Braga, ó velho, despacha o freguês! tem aqui um carro bom, vossa senhoria! O Braga, posso
servir?
Braga cruzou outra vez as mãos no peito, com um sereno olhar indiferente. Que dor o havia de
trespassar! Murmurei com pena:
– Bom, adeus, meu Braga. E onde pára o Bamba?
– Na Estrada, pára na Estrada. Às ordens do menino, respondeu ele do alto.
Já agora era impossível deixar de ver o outro, de conhecer o mais antigo cocheiro do Rio! Tomei
um bonde da Central. A tarde morria em lento e vermelho crepúsculo. No céu brilhava a primeira
estrela trêmula e luminosa, e os combustores acendiam a sua luz azul quando saltei na Praça
da Aclamação. E foi um grande trabalho. Eu ia de carro em carro.
– Pode informar onde pára o Bamba?
Uns diziam que o Bamba caíra e fora para o hospital, outros, os moços, riam de que se fosse
procurar um cocheiro inútil como o Bamba, outros asseguravam que o velho não trabalhava mais.
Afinal, quase defronte da porta do Quartel, encontrei um landau empoeirado, desses que parecem
arcas e acomodam à vontade seis pessoas.
Da boléia um mulato velho falava para um gordo ancião, muito gordo, muito estragado...