Page 102 - 2M A INTRUSA
P. 102
www.nead.unama.br
Agora ele revelava uma preocupação: Glória! A menina era o seu cuidado
melhor. Lamentava-se de a ver muito solta, criada sem disciplina, como uma
selvagenzinha! A avó era uma santa, dizia ele, mas incompetente para a dirigir.
Depois, a invocação constante que ela fazia da filha morta, chegara a criar em
todos de casa como que a ilusão de que de fato ela existia, invisível, vigiando com
saudade a sua órfã...
D. Sofia comentava:
– É uma espécie de loucura, a que algumas mulheres são sujeitas; mas não
me consta que nenhuma a tivesse levado a esse grau! Os filhos únicos acarretam
grandes desequilíbrios aos pais. É mais uma razão para te interessares pela pobre
menina. Realmente, os mortos vão depressa... quando não deixam as mães no
mundo! Faze por esclarecer a baronesa. Que se resigne à idéia de que, da linda
Maria, só existem os ossos...
– Tal afirmação não ficaria bem em minha boca...
– Não estará na tua consciência? Sorris?! pois então, filho, alimenta a
fogueira em que a pobre senhora se consome. Levas-lhe achas e fósforos, não te
espantes de a veres arder! Se a alma existe, a de Maria trocaria o céu para estar ao
pé da filha... Era extremosa! E nesse caso a baronesa tem razão...
Assunção jardinava. De joelhos na terra, podava uma "Príncipe negro"
quando a mãe subiu acompanhada de visitas: Alice e Glória.
– É quando eu gosto de o ver de joelhos! – exclamou rindo D. Sofia,
apontando para o filho, que levantou os olhos surpreendido.
– Aqui!
– Viemos visitar D. Sofia! – exclamou Glória. – O senhor não merece!... Há
dois dias que não vai lá! Vovó está zangada! De mais a mais, papai foi para S.
Paulo!
– Han?!
– Foi, sim. No mesmo dia em que viemos da chácara ele foi chamado por um
telegrama! Não sabia?
– Não!
Houve uma troca de olhares involuntária entre Alice e Assunção. Que! Pois
ela desconfiaria?!...
A moça voltara-se para o terracinho, olhando agora para o mar, muito azul.
Assunção pedia desculpas, tinha as mãos sujas de terra. Correu a lavá-las,
enquanto D. Sofia mandava vir cadeiras para o jardim.
– Isto sempre é mais bonito que lá dentro. Casa de uma velha e de um padre
não tem alegria. Sentem-se aqui, olhando para o mar... assim. A vista é bonitinha,
hein? Com que então, sra D. Maria da Glória, está muito adiantada?
– Qual!
– Não?! Pois é pena: está ficando uma moça! – E voltando-se para Alice:
– Como esta menina cresce! Acho-lhe uma diferença! É o pai!
– Sim... parece-se – confirmou Alice.
Glória não se sujeitou à cadeira, levantou-se para revistar os canteiros e uns
caixotinhos que via pregados ao muro. As duas senhoras conversavam e tão
101