Page 4 - 2M A INTRUSA
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                         Do primeiro ano do seu casamento, que durara cinco, existia uma filha, Maria
                  da Glória. Vivia esta menina com os avós maternos, numa chácara dos subúrbios, e
                  andava agora pelos seus onze anos e os rudimentos de português e de música.
                  Tanto como o pai e os avós, por ela se interessavam o padrinho, padre Assunção.
                  Sem interromper a partida, o deputado Armindo Teles gabou-se:

                         – Foi hoje um dos dias mais belos da minha vida; não preciso de mais nada
                  para julgar-me compensado dos enormes sacrifícios que a deputação me tem
                  custado... rios de dinheiro, noites de insônia, descomposturas de outros partidos...
                  de tudo colhi hoje o prêmio. Imaginem vocês que tive de lutar renhidamente com o
                  próprio governo, molestar colegas, ir de encontro mesmo a princípios que prezo de
                  gratidão pessoal e de conveniência própria, e que, arrostando tudo, como um
                  soldado na guerra, consegui a minha vitória. Imaginem se não devo estar satisfeito!
                  Uma vitória política, já o disse Chartrier, embriaga melhor que o mais velho licor.
                         – Chartrier?... perguntou com curiosidade o padre Assunção.
                  Armindo Teles pareceu não ouvi-lo e continuou:
                         – Infelizmente temos agora na Câmara poucos talentos de combate.
                  Carecemos de mais vivacidade... A indiferença de uns e a má vontade de muitos
                  enfraquecem os golpes de um ou outro mais entusiasta... Eu cruzei as minhas
                  armas, nesta porfia, com os maiores talentos da Câmara e feri-os a todos sem
                  piedade. Criei inimigos; pouco importa, mas triunfei!


                         Adolfo Caldas, levantando os olhos das cartas em leque na mão gorducha,
                  indagou, sorrindo::


                         – Por que feito ilustre glorificaste a pátria?
                         – Pelo reconhecimento do Simão da Cunha, o meu colega Simão da Cunha,
                  que a


                         Câmara em peso guerreava!
                         Sob o bigode de Argemiro passou a sombra de um sorriso. Adolfo Caldas
                  impregnou de cândida ingenuidade os seus maliciosos olhos castanhos e disse
                  apenas, como a procurar:

                         – Cunha?...


                         E depois:

                         – Ah! o Simão! sim... é desempenado. Veste-se bem.
                         – Não é águia, afirmou Teles; mas é o que se chama – uma mediocridade
                  operosa – e é, sobretudo, um homem de bem!
                         – Isso em política não tem valor... comentou o dono da casa. – Mas que faz
                  você aí, padre Assunção, remexendo nas estantes?!
                         – Estou a ver se encontro algum livro de Chartrier...
                         – Olha, o catálogo dos livros deve estar naquela gaveta, se acaso o Feliciano
                  já o não deitou ao fogo! Eu já nem sei o que tenho...
                         – O que você deve procurar são os sermões do Padre Vieira! – disse
                  malignamente Armindo Teles.
                         – Não preciso; sei-os de cor.
                         – Impinge-os como seus?

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