Page 78 - 2M A INTRUSA
P. 78

www.nead.unama.br




                         Feliciano passou, tornou a voltar, sondou com olhar atrevido o corredor
                  escuro, procurou ver se estaria alguém a quem pudesse fazer qualquer pergunta na
                  vizinhança, encostou-se a um umbral fronteiro e esperou, indignado, contra aquelas
                  paredes, que um murro de homem deitaria abaixo e que lhe escondiam o mistério
                  desejado!
                         O vento e o pó obrigavam os moradores do lugar à reclusão. As janelas
                  fechadas estristeciam a rua ordinariamente animada. Que se passaria lá dentro?
                         Feliciano esteve uma ou duas horas à espera, como um vigia cuidadoso,
                  firme no seu posto. Nem uma réstia, um tênue fio de luz vinha cortar a treva daquela
                  fachada muda!
                         O negro tinha ímpetos de ir encostar o ouvido às janelas ou penetrar no
                  corredor, cansado de esperar, numa impaciência que o adoecia.
                         Eram quase dez horas quando ouviu rumor de vozes e reconheceu a de Alice.
                  Depois a moça reapareceu, puxando a porta sobre si.
                         A casa, impenetrável, guardava o seu segredo. Alice deslizava na sombra
                  com o mesmo passo apressado. Dir-se-ia que igual desejo a levava ao ponto de
                  onde partira três horas antes!
                         Desnorteado, Feliciano hesitava se deveria acompanhar Alice, cujo destino
                  conhecia, se ficar mais alguns instantes esperando alguém que porventura saísse
                  daquela casa. Alice nunca entrava nas suas quartas-feiras depois das dez horas;
                  logo, ela marchava para o Cosme Velho. Interessava-o agora quem ficava ali.
                  Começaram a cair grossos pingos de chuva e a escuridão era apenas dissimulada
                  pelos lampiões de gás. Já sem receio de ser surpreendido, Feliciano verificou o
                  número da porta por onde Alice saíra, mas só se afastou quando ouviu que a
                  ferrolhavam de dentro.
                         "Quem estava, fica... logo, vou-me embora". E ele voltou, intrigado,
                  aborrecido, com maior ódio ainda por aquela mulher que se lhe escapava de entre
                  os dedos fracos quando julgava prendê-la para toda a vida!
                         Enfim, já sabia alguma coisa: aprendera o caminho da toca, onde ela vinha
                  furtivamente todas as semanas, em horas e dias determinados...
                         "Quem se fia em mulheres está bem servido!..." – pensava consigo o negro,
                  desandando no seu caminho. Esta ainda é pior do que as outras, porque é fingida.
                  Fingida como Judas!

                         – Ela há de me pagar...


                         Alice deu volta à casa do jardim e entrou por uma porta do fundo, evitando um
                  encontro provável com Argemiro, que falava alto no escritório, junto à saleta da
                  frente.
                         Cansada, sentou-se um momento na sala de jantar, antes de subir para o seu
                  quarto, vigiando a porta do escritório, pronta a fugir num relance, caso ele
                  aparecesse. Com as mãos abandonadas nos joelhos, sorria com amargura às
                  palavras de Argemiro, que lhe chegavam nitidamente aos ouvidos. Ele arengava
                  contra as mulheres. Os outros davam-lhe razão, citavam exemplos destacados de
                  escândalos, riam-se alto, declarando o casamento uma instituição prejudicada.
                         A uma frase atrevida de Argemiro, respondeu Adolfo Caldas maliciosamente:


                         – Enquanto pelo anúncio do Jornal        acudirem governantas moças para as
                  casas de viúvos sós... Mas é que nem todos são viúvos, meu caro!


                                                                                                          77
   73   74   75   76   77   78   79   80   81   82   83