Page 75 - 2M A INTRUSA
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– Por que só uma pobre se sujeita a tal posição, naturalmente; mas as pobres
honestas têm outros meios de ganhar o pão, menos suspeitos e sobretudo menos
arriscados... Tua sogra tem uma certa pontinha de razão na insensatez do seu
ciúme... De fora ninguém pode acreditar que esta situação seja senão uma fantasia.
– Mas que têm com isso?
– Nós outros, nada; mas tua sogra talvez tenha alguma coisa, por causa da
tua filha!
– Não é por causa de Maria... é por mim! Minha sogra é uma sentinela
sempre alerta na defesa do meu coração. Ela não se importa que me roubem os
haveres ou que eu esbanje a minha fortuna; que eu tenha ou não tenha amigos, que
eu trabalhe ou que descanse, que eu sofra ou me divirta; o que ela não quer,
absolutamente, é que eu ame! Maria há de viver eternamente diante dos meus
olhos, como vive diante dos seus, e hei de manter até o meu último alento a
promessa que lhe fiz de não tornar a casar-me...
– Tolice...
– Que queres!
– Maria era um anjo... mas hoje é um fantasma; e um homem não pode viver
abraçado a uma sombra...
– Dize-lhe isso...
– Na primeira ocasião.
– Não a mortifiques. Eu, bem o sabes, estou perfeitamente de acordo com
ela.
– É o que te parece. Em todo o caso, dou-te um conselho: despede a tua
governanta, ou dá um piparote nestas convenções românticas em que te embaraças
e trata-a como toda a gente trata as governantas... Parece-me que nos temos
ocupado demais com uma criatura que talvez não mereça tanto...
– Ou talvez mais...
– É o que eu digo!
– Não te entendo.
– Não admira, visto que nem te entendes a ti! Só te direi outra coisa, para
concluir: a imaginação é uma amiga perigosa, e tu estás abusando dela.
– Estás tolo e sibilino. Na tua, queres dizer que acabarei apaixonado por uma
mulher que vive em minha casa e que me obstino em não conhecer, julgando,
talvez, que me ocupo em pensar nisso! Mas, nada! Eu penso tanto na minha
governanta, que talvez seja picada de bexigas, ou desdentada, como penso na
Sinhá, que tem os olhos que sabes e a pele lindíssima. Fiel à minha morta, não por
virtude, mas porque não encontro no mundo mulher que se lhe compare, eu deleito-
me no sacrifício de viver abraçado a sombras... É a minha esquisitice...
– Faze-te espírita.
– Nunca.
– Como espectador, eu estou gostando do caso. O que te peço é licença para
conquistar a menina...
– Tens toda...
– E se ela aceitar a corte?
– Tanto melhor para ti...
– Não impões condições?
– De não ser em minha casa...
– Sabes onde é a dela?
– Não sei de onde veio, nem presumo para onde irá!
– Como um sonho!
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