Page 83 - 2M A INTRUSA
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– Também tu!...
– Também eu... Que diabo! tu imaginas um mundo ao teu feitio e queres
governá-lo a teu bel-prazer? Guerrear a moça? Por quê? Porque é limpa,
econômica, dirige bem a casa do teu genro e ainda por cima dá lições úteis à tua
neta? Mas isso é uma insensatez!
– Para que te servem os olhos? Para que te serve o entendimento e a moral?
Já te esqueceste das últimas palavras da nossa Maria? Não as ouviste tão de perto
e tão bem como eu?
– A nossa Maria... morreu...
– Para ti e para os ingratos; não para mim, sua mãe, que a adoro e a vejo
sempre diante dos meus olhos! Como é triste a morte, que até faz esquecidas as
filhas aos próprios pais!
O barão retirou de novo os óculos, colocou um peso sobre os papéis em que
catalogava as suas plantas e contemplou a mulher demoradamente, com tristeza.
Ela estava abatida, com os olhos empapuçados, as faces emaciadas, o pescoço
mais mole e pelancoso.
– Minha pobre velha! tem paciência e resigna-te. Compreendo a tua mágoa,
mas é preciso esforçares-te por compreender também o mundo tal como ele é.
Imagina que a tua neta é ela, a nossa Maria, e concentra nela todo o teu carinho e
todo o teu amor... já não peço nada para mim... bem vês! Glória é a filha da tua filha,
vive para ela aqui, no meio das tuas árvores e não penses no que vai lá por baixo,
pela casa dos outros.
– Casa de minha filha.
– De teu genro. Tua filha já não existe.
– Para mim existe! E depois, tu não vês que já me vão também roubando a
neta? Daqui a pouco estaremos sós!
– Não... não é tanto assim!
– Desde que o Argemiro tem aquela peste em casa...
– Que está satisfeito e tem o seu lar em ordem. Se em vez de ser sogra
fosses mãe dele, tu bendirias essa pobre rapariga... Tem juízo, minha filha, não
vivas com os olhos fixos num fantasma e pensa na realidade das coisas.
– Seria bom... se o Argemiro não violasse o juramento que fez... ao
fantasma... como tu lhe chamas!
– Escuta; quando ele jurou fez bem em jurar. Acreditava então poder cumprir
tal juramento, e caso mesmo não acreditasse juraria do mesmo modo, porque essa
era a vontade de uma moribunda. Nossa filha morreu sorrindo, graças a essa
promessa. Não me interrompas! O Argemiro foi um marido raro, amoroso, sério e
deu à mulher a mais ampla e perfeita felicidade. Ela acabou. Ele foi (se ainda o não
é) fiel à sua memória por muitos anos. Se agora tivesse alguma paixão, não terias
que dizer. Ele ainda é moço, e essa circunstância basta para explicar tudo. Somos-
lhe obrigados.
– Achas então muito natural e muito bonito que ele ponha a filha em contato
com a...
– Não acabes...
– Também tu a defendes!
– Também eu!
– Mas não a conheces!
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