Page 71 - 2M A INTRUSA
P. 71

www.nead.unama.br




                  toda no primeiro impulso! Hei de sempre lembrar-me de uma noite em que fui
                  encontrar o Tadeu, pálido, passeando agitadíssimo pelo escritório, com um
                  verdadeiro ar de fúria.


                         – Que tens tu?! – perguntei-lhe assustado, de entre portas.

                         Voltou para mim os olhos esgazeados e disse, com uma sinceridade
                  comovedora:

                         – Tenho que o patife do Brás apaixonou-se por tal forma pela Delfina, que não
                  sei como hei de casá-lo com a Lucinda! – e apontava com o dedo colérico para as
                  folhas esparsas do seu romance, desordenadas por um vento de insubmissão. O
                  caso era grave. Entrei, sentei-me e fiquei calado, assistindo ao duelo fantástico de
                  um romancista com a sua personagem revoltada.

                         Por fim, aventurei timidamente, querendo valer àquela aflição:


                         – Por que não casas essa tal Lucinda com outro? que diabo!
                         – Com outro?! estás doido! Ela adora o Brás e não pode absolutamente casar
                  com outro. Seria um desastre! Com o Brás é que ela há de casar, quer ele queira,
                  quer não queira!


                         O desespero do romancista era tão evidente e profundo, que eu não ri. Fiquei
                  desde então convencido de que a ficção, como a realidade, obedece a leis de
                  imprevisto e de fatalidade. Li depois o romance... O Brás não casou com a Lucinda.
                  Porque não quis, está claro!"
                         Adolfo, acabando de dizer estas palavras, soltou uma baforada de fumo,
                  afundou mais o corpo na larga poltrona do Argemiro e suspirou:


                         – Está-se bem aqui!
                         – Não achas? Pois essa poltrona amável estava encerrada no quarto dos
                  badulaques por imprestável! Foi ela que a arrancou de lá, mandou-a ao estofador e
                  pô-la aqui. E guerreiam uma mulher que me presta tais serviços!
                         – Deixa guerrear... Na vida, como nos folhetins, os romances fazem-se por
                  si... Vê tu o trabalho e os manejos da Pedrosa em que deram! Surpreendeu-me tanto
                  o que disseste da filha, que estou quase apaixonado por ela... Palavra! nunca a
                  supus capaz de uma cena tão fina. Parece do Tadeu.
                         – E estava linda!
                         – Demais a mais... – e depois de uma pausa: – A tua governanta é bonita?
                  Disse-me a Pedrosa que não. Por isso infiro que sim.
                         – Não sei...
                         – Deixa-te de asneiras; sê franco.
                         – Já te disse.
                         – Ela leva o seu rigor até os teus amigos?
                         – Parece. A não ser o Assunção...
                         – Teria graça se o nosso Assunção atirava a batina às urtigas por amor da
                  tua...
                         – Cala-te, ímpio!




                                                                                                          70
   66   67   68   69   70   71   72   73   74   75   76