Page 66 - 2M A INTRUSA
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                         O olhar da mãe acariciava a filha, que sorriu com tristeza.
                         A Pedrosa tornou a sair, recomendando pressa; ela ia para a sala esperar os
                  amigos; antes de abrir a porta, puxou a filha a si e beijou-a com ternura.
                         A moça começou passivamente a desenlaçar o seu vestido azul, pensando no
                  ar misterioso com que a mãe a atraíra naquele beijo.
                         Sem poder obedecer às ordens maternas, que lhe haviam imposto pressa,
                  ela, mal enfiou o seu vestido branco, deixou-se cair sentada na beira do leito e ali
                  ficou um largo espaço de tempo, com os olhos fixos no vácuo e os dedos
                  embaraçados nas fitas desatadas do cinto.
                         Tinha pensado muito desde aquele passeio ao Corcovado e começava a
                  compreender o seu papel... A mãe oferecia-a ao Argemiro... era por causa dele que
                  lhe pusera nas orelhas aquelas pérolas, que pareciam queimá-la... Por quê? Porque
                  ele era rico e ocupava na sociedade um lugar brilhante... Amava-a ele? não!...
                  amava-o ela? talvez...
                         Na verdade, a imagem de Argemiro nunca se lhe apresentara senão levada
                  pela mão da mãe... lembrava-se mesmo de que a primeira vez que o vira achara-o
                  velho e triste... depois, a pouco e pouco, habituara-se a imaginar-se noiva daquele
                  homem sério, que todo o mundo dizia votado inteiramente à sua viuvez... e agora ei-
                  la enciumada de uma mulher de cuja existência até as vésperas nem suspeitara e
                  que ocupava já o lugar que a mãe lhe destinava a ela!
                         A figura de Alice desenhava-se inteira diante dos olhos pasmados da moça.
                  Revia-lhe o rosto de um moreno pálido, de feições irregulares; o talhe esbelto do
                  corpo, as mãos longas, o vestido cinzento, alegrado por uma gravatinha azul...
                         Que idéia faria dela o Argemiro? Um leve rubor subiu-lhe às faces e ela
                  escondeu o rosto entre as mãos geladas.
                         A criada veio apressá-la. Sinhá levantou-se resolutamente e concluiu a sua
                  toalete sem hesitação.
                         Quando entrou na sala, a mãe, entre um grupo de amigas, conversava com
                  um homem gordo, de longos bigodes cor de vinhático. Apresentou-a; era o
                  encarregado de negócios de Inglaterra no Rio de Janeiro!
                         Sinhá cumprimentou-o, admirada da habilidade da mãe; ela conseguira o seu
                  desejo!
                         Ali estava na sua sala o homem por quem ela subira inutilmente o Corcovado.
                  Bem o dissera ela: realizo todos os meus empreendimentos!
                         Atendendo às visitas que rodeavam a mãe, Sinhá prestava atenção, a ver se
                  distinguia a voz de Argemiro entre as vozes dos homens que palestravam no
                  gabinete do pai.
                         Aí, entre os livros de direito e de economia política, arrumados em estantes
                  de canela ou espalhados sobre a secretária e a mesa, conversavam animadamente
                  Adolfo Caldas, Argemiro, Dr. Sebrão, o conselheiro Isaías e o dono da casa.

                         – Falem-me de tudo! – exclamava o Pedrosa, súplice, – menos da política!
                  Vocês não imaginam! não lhes direi que estou farto dela até os cabelos, porque sou
                  careca; mas ultrapassa a minha força aturá-la até nos cavacos entre camaradas.

                         Conselheiro Isaías, lembrando-se lá consigo do empenho do Pedrosa para
                  alcançar a pasta, comentou do canto onde acolhera o seu corpinho murcho:


                         – Percebe-se o sacrifício...


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