Page 67 - 2M A INTRUSA
P. 67

www.nead.unama.br




                         Caldas levantou-se com estrondo, disfarçando a malícia do outro, e foi ao
                  lampião reacender o charuto, enquanto Pedrosa continuava:


                         – É muito grande, e só mesmo a pátria poderia exigir tanto de mim. A ação de
                  governar vai se tornando cada vez mais perigosa nesta terra... Nós temos maus
                  auxiliares e o povo tem má fé... A oposição agora serve-se de todos os meios para
                  impedir-nos os passos, usando das armas mais pérfidas, que são as do ridículo e as
                  da calúnia...
                         – Essa senhora é velha como Sócrates... não faça caso... – disse o
                  conselheiro.
                         – Não faço caso, mas no fundo, francamente, desgosta-me. Trabalho sem
                  interrupção e afinal...
                         – Não faz nada! – disse o conselheiro, rindo.
                         – Não seja perverso, amigo! ou declare-se já contra mim! Quem sabe se é
                  você o autor daqueles versinhos que andam por aí carpindo a minha falta de
                  eloqüência e de desinteresse, que julgam as qualidades primordiais para um homem
                  de Estado!
                         – E são...
                         – Nego. Um político, do que precisa, sobretudo, é de tenacidade, sangue frio,
                  patriotismo, sinceridade e um grande domínio sobre as suas paixões... além das
                  qualidades superiores, que lhe são indispensáveis, de inteligência e de ilustração...
                         – É por isso que o seu colega Marcondes está fazendo tão bonita figura!... –
                  disse ainda o conselheiro, com um fundo suspiro. Riram-se todos, que bem
                  conheciam os dotes fraquíssimos do Marcondes.


                         Pedrosa continuou, com um sorrizinho magnânimo:

                         – Ele é bem intencionado, e trabalha! Há dias em que nem tenho tempo de
                  beijar minha filha... O homem público é um galé, principalmente neste nosso país,
                  em que os mais puros devotamentos são sempre interpretados às avessas!
                         – Muito bem! Apoiado! – exclamou o conselheiro, levantando-se.
                         – Eu sei que você é um homem corajoso, desde aquela célebre caçada que
                  fizemos juntos em Teresópolis... lembra-se? – perguntou, sorrindo, o Dr. Sebrão ao
                  Pedrosa.
                         – E com bastantes saudades!
                         – Quem tem idade e competência para arcar com o peso de uma pasta é ali o
                  amigo Argemiro... – disse o conselheiro Isaías.

                         Argemiro protestou; era um homem sem maleabilidade; não podia servir bem
                  à política. Ao mesmo tempo o Dr. Sebrão, voltado para Adolfo Caldas, começou a
                  descrever a caçada feita com o Pedrosa e outro amigo nas florestas da serra.

                         – Tinham-nos falado em javalis. Uma madrugada partimos da Várzea,
                  montados nuns velhos cavalos de aluguel, nós e mais um velho de Teresópolis, que
                  se inculcara como excelente guia. Levávamos boas armas, bom farnel para o
                  almoço, estando combinado voltarmos a jantar com a família. Trotamos para o alto,
                  o velhote na frente; nós, muito esperançosos, atrás. Chegados a um certo ponto,
                  amarramos os animais e metemo-nos a pé pelo mato. Imaginem que entrar nas
                  florestas da serra é como entrar na treva. Ali, para se ser bom caçador é preciso ter
                  afeito a vista à escuridão do ervaçal e ter criado sobre a epiderme uma segunda

                                                                                                          66
   62   63   64   65   66   67   68   69   70   71   72