Page 53 - 2M A INTRUSA
P. 53

www.nead.unama.br




                         – Mamãe espera mais alguém?!

                         A Pedrosa, por única resposta, começou a descer a escada e, ao entrar no
                  coupé, gritou para o cocheiro:

                         – Estação do Corcovado!


                         Sinhá, sentando-se a seu lado, indagou curiosamente:

                         – Vamos ao Corcovado, a esta hora! fazer o quê?
                         – Almoçar...
                         – Sozinhas? E o papai?
                         – Teu pai não almoça hoje em casa.
                         – Mas ele sabe?
                         – Há de saber quando eu lhe disser.
                         – E se ele não gostar?
                         – Tolinha... vejo que não tenho outro remédio senão ir te dizendo já o que
                  adiava para mais tarde. Não saíste a mim na perspicácia...

                         Sinhá olhava para a mãe com uma linda expressão de estupidez.


                         – A razão por que vamos almoçar às Paineiras não pode ser desagradável a
                  teu pai.

                         É esta: está lá em cima, no hotel, o encarregado dos negócios de Inglaterra.
                  Fui-lhe apresentada há dias, rapidamente: convém fazer-me lembrada... Aquele
                  homem pode ser muito útil a teu pai. Aparecendo lá, como por acaso, ele
                  forçosamente virá cumprimentar-nos. Almoçaremos talvez à mesma mesa e terei
                  ensejo de lhe repetir o oferecimento de nossa casa. É uma relação útil. A vida,
                  minha filha, é como uma caixa vazia que os sôfregos e os tolos enchem com tudo
                  que topam, e os atilados só com coisas escolhidas. Se não fosse a minha tática,
                  pensas que teu pai teria alcançado as posições que tem tido?!


                         – Julguei que fossem só os seus merecimentos que...
                         – Tontinha! Só pelos merecimentos, sem um pouco de manha, ninguém faz
                  nada neste mundo!...
                         – Mas sendo o papá ministro a utilidade das relações é toda para o tal inglês!
                         – Não, filha; o homem é consideradíssimo no alto comércio e só por iniciativa
                  dele podem advir para teu pai grandes simpatias... e choverem-lhe manifestações de
                  apreço, que são sempre de um ótimo efeito. Um banquete, por exemplo, oferecido
                  pelo alto comércio a um ministro, pensas que não lhe acrescenta a importância? É
                  preciso ter faro para se perceber bem isso... Catando-se seixinhos podem-se fazer
                  castelos... Este é um provérbio inventado por mim e que não deves esquecer...
                         – Mamã não receia...
                         – Quem tem medo não vai à guerra. E depois, medo de quê?
                         – Que percebam...
                         – Faço tudo com muita diplomacia; sei disfarçar a minha vontade, fazê-la
                  triunfar sem que ninguém perceba. É um dom peculiar e que eu desejo transmitir-te.
                  Mas acho-te muito frouxa; és ainda muito inocente, muito ingênua. Lá para diante,
                  quando tiveres os teus trinta anos, me compreenderás. Apesar de que eu, desde

                                                                                                          52
   48   49   50   51   52   53   54   55   56   57   58